31 de agosto de 2022: 75 anos do relatório que recomendou a partição da Palestina
Há 75 anos era publicado o relatório da UNSCOP, que resultou no esquartejamento da Palestina e na transformação do movimento migratório judaico para a Palestina em um projeto de colonização sionista – que o relatório ajudou a legitimar internacionalmente.
31 de agosto de 2022: 75 anos do relatório que recomendou a partição da Palestina
Há 75 anos era publicado o relatório da UNSCOP, que resultou no esquartejamento da Palestina e na transformação do movimento migratório judaico para a Palestina em um projeto de colonização sionista – que o relatório ajudou a legitimar internacionalmente.
QUEM QUER SER UM ESTADISTA?
Sempre que um político deseja parecer “um grande homem” perante o público internacional o “processo de paz no Oriente Médio” é invocado. Símbolo genérico de um caos vago e de tragédias distantes, o Oriente tem servido como objeto das ambições de mandatários que desejam ser reconhecidos como “Estadistas”, com E maiúsculo. A joia da coroa para o líder euroamericano que quer “deixar uma marca” de seu governo, em geral, é “resolver” a “Questão da Palestina”. Mas o que eles chamam de “resolver”, em geral, consiste em reunir os amigos numa sala e, a portas fechadas, traçar linhas sobre mapas.
Ainda hoje os povos do colonizados pagam com sangue pelo narcísico fetiche da diplomacia cartográfica de seus colonizadores. O apreço da classe política euroamericana pelo traçar de linhas imaginárias em mapas que descrevem terras que não lhes pertencem é antigo. Em 1947, porém, vivia-se um novo momento: o da descolonização. Numa abertura que buscava ser lenta, gradual e segura, como toda transição reacionária de poder, o Reino Unido buscou controlar o futuro dos países que se livravam de seu parasitismo colonial através da tática da partição.
O meio encontrado foi a estratégia de partição, que àquela altura era considerada um "sucesso" na Índia. Paquistão, Bangladesh e Índia eram o mesmo país: continental, multicultural e diverso. Os ingleses, flores de candura, esquartejaram o país entre hindus e muçulmanos, de modo que pudessem criar uma divisão interna que antes não existia como tal e colocar uns contra os outros, como fazem até hoje.
O primeiro momento em que a Palestina foi afetada por esta nova forma de imperialismo foi em 1947, quando as Nações Unidas recomendaram a partição do país dos palestinos, que cederia a maior parte do território, as melhores terras, portos e fontes de água potável para uma recente leva de migrantes europeus que fugiam do racismo nazifascista – os judeus europeus e estadunidenses.
O RELATÓRIO UNSCOP: PRELÚDIO DO DESASTRE
De 1947 até hoje, gerações de homens bem nascidos na Europa e nos Estados Unidos ainda se sentem muito bem consigo mesmos ao traçar seguidamente linhas por sobre a Palestina Histórica, legando cada vez menos território aos povos originários, que até hoje pagam pelos crimes do fascismo europeu.
Em 31 de agosto de 1947, o UNSCOP – Comitê Especial das Nações Unidas para a Palestina – publicou seu relatório sobre o tema, que recomendava o fim imediato do Mandato Britânico e a partição do país de modo que os judeus tivessem um Estado próprio. De um só golpe, o Reino Unido se retiraria do controle direto de uma colônia, mas não sem antes deixar pronto o “conflito” que estaria muito disposto a “mediar” no futuro.
A Comissão que elaborou o documento foi reunida em maio daquele ano e era composta por europeus e representantes das oligarquias ex-coloniais das Américas. Pesquisadores israelenses como Ilan Pappé e Michael Lynk destacam a notória ignorância da equipe formada para deliberar o assunto. Essas pessoas jamais haviam sequer visitado a Palestina e produziram uma divisão territorial que propunha um Estado Judeu, um Estado Árabe e Jerusalém como cidade internacional. Os judeus possuíam 7% da terra palestina e, de repente, receberam direito a metade do país. Os palestinos e seus aliados árabes foram, naturalmente, contrários a isso. Mas a Bíblia e a memória recente do desastre do Holocausto foram mais fortes.
Hoje soa “moderado”, de “bom tom” a defesa vaga de uma solução de dois Estados. No momento em que ela surgiu, no entanto, tratava-se de tomar, de repente, metade de um país à força das mãos do povo que nele vivia. Por isso os árabes foram contra a tal “solução de dois Estados”. Não por intolerância ou antissemitismo – até porque já existia uma comunidade judaica na Palestina e em todo o mundo árabe, que vivia em paz em seus países e à qual os migrantes judeus que fugiam do nazifascismo se somaram pacificamente.
Ocorre, no entanto, que havia interesse na construção de um Estado de maioria judaica, tanto por parte de sionistas quanto do Reino Unido, como prova a Declaração Balfour, entre outros documentos. Na prática, o relatório serviu como documento legitimador da solução de um só Estado, que vemos hoje: o Estado de Israel. Esse relatório trouxe, argumenta Pappe em sua obra Dez mitos sobre Israel (Tabla, 2022), uma solução que já nasceu morta.
Pappé argumenta que isso ocorre porque, em 1947, a partição era vista pelos árabes e palestinos como inaceitável e ultrajante; em 1948, como a mentira que justificou a Nakba; e, em 1967, se tornou de uma vez por todas uma ficção impossível, que serviu apenas para que Israel administrasse os territórios ocupados de modo a preservar sua demografia como sempre majoritariamente judaica.
Da parte dos sionistas, o acordo compensava porque criava o reconhecimento de um Estado Judeu que, após criado, poderia navegar as ambiguidades do direito internacional, da culpa europeia, dos interesses geopolíticos das grandes potências e, ao mesmo tempo, avançar seu jamais negado projeto de colonização via povoamento e limpeza étnica da totalidade da Palestina.
Baseando-se na ideia geral da partição, foi possível ocupar de fato a terra palestina sem incorporar os palestinos à sua demografia. A fronteira avançou sobre toda a Palestina sem que os palestinos fossem considerados pessoas com direitos. Tudo para que não fosse posta em risco a maioria política dos judeus.
O relatório da UNSCOP foi o ponto de partida de todos esses absurdos. Foi aprovado sob protesto dos países árabes em 29 de novembro de 1947 por uma ONU composta ainda majoritariamente por potências imperiais e ex-colônias americanas administradas pelos descendentes dos colonizadores.
Atualmente, a maioria dos movimentos pró-Palestina defendem a solução de Dois Estados como forma de tentar alcançar um compromisso que salve a população dos territórios da Palestina Ocupada do horror que vivem hoje.
Como consequência da perspectiva jamais realizada dos dois Estados, os palestinos não são nem protegidos pelos direitos dos refugiados nem reconhecidos como população ocupada por Israel. Enquanto isso, Israel se apodera de todo e qualquer recurso natural do Rio Jordão ao Mar Mediterrâneo, sem assumir responsabilidade alguma para com os palestinos sob cerco e ocupação israelense.
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