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A dupla segregação dos Beduínos pelo apartheid de Israel

Por Sayid Marcos Tenório

Se já é grave a situação dos refugiados palestinos, vítimas constantes das políticas segregacionistas do chamado “Estado judeu”, a situação dos beduínos é igualmente ou ainda mais grave. São palestinos que vivem como refugiados no seu próprio território ocupado e duplamente vítimas das frequentes políticas racistas do apartheid israelense. As constantes ondas de demolições de residências nas aldeias beduínas na Cisjordânia por parte de Israel, que leva adiante a limpeza étnica através da expulsão dos milhares de beduínos para dar espaço à expansão dos assentamentos judaicos ilegais, como no Vale do Jordão, onde, além das demolições, Israel destrói os equipamentos agrícolas como tratores, tanques de armazenamento de água e painéis solares, afligem de modo cruel a vida e a economia agrícola e pecuária de subsistência dos beduínos.
 
Na divisão promovida pelos sinistros Acordos de Oslo, em 1993, a Área C – onde vive a maioria dos beduínos – está sob controle do Ministério da Defesa israelense, que também se encarrega dos assuntos civis, adotando uma atitude hostil à permanência dos beduínos naquelas regiões, onde são impedidos de construir ou reconstruir as suas casas e outras instalações.
 
A situação mais dramática é a de Khan al-Ahmar, um povoado beduíno que se tornou fixo pelos beduínos desde o início dos anos de 1970, embora alguns afirmem que existe há mais tempo. É formado por descendentes da tribo Jahalin, que costumava se deslocar pelo deserto do Negev, até serem expulsos pelos bandos sionistas depois da fundação do Estado judeu, em 1948. Eles foram deslocados para a Cisjordânia, então um território controlado pela Jordânia e com baixa população.
 
Em janeiro de 2019 dezenas de soldados e policiais israelenses escoltados por retroescavadeiras gigantes e veículos blindados invadiram e destruíram pela 139ª vez a aldeia beduína de al-Araqib, situada no deserto de Negev/Naqab, no sul da Palestina Ocupada. Mulheres, crianças e idosos da aldeia foram evacuados e deixados sem abrigo, apesar do tempo frio. O chefe do comitê popular da aldeia e três mulheres foram detidos pelas forças israelitas e libertados algumas horas após a demolição. As repetidas demolições na aldeia beduína de al-Araqib são realizadas na tentativa de forçar a população a mudar-se para locais designados pelo governo israelense. Mas eles resistem e reconstroem suas tendas e locais de trabalho e criatório de suas cabras. No caso da aldeia beduína de Khan al-Ahmar, há um agravante: uma escola primária conhecida como Escola de Pneus, que atende crianças de ambos sexos, que era o orgulho dos beduínos.
 
Israel vem tentando há muitos anos expulsar os milhares de beduínos a fim de expandir os assentamentos judeus. Em 1990 uma operação deste gênero foi transmitida ao vivo pela TV israelense, mostrando os soldados arrancando à força as famílias e destruindo a comunidade inteira. Recentemente uma determinação da Suprema Corte de Justiça israelense liberou o governo para proceder a retirada das comunidades beduínas, o que será um crime de guerra, pois realizará a transferência forçada de uma população sob ocupação militar, nos termos do Acordo de Genebra.
 
As áreas beduínas confiscadas são estimadas em 26.000 hectares, segundo o jornal israelita Israel Today. Sobre as ruínas das aldeias as autoridades israelitas querem expandir a Estrada Trans-Israel (Estrada n.º 6 – Uma rodovia que só israelenses podem usar). Segundo o plano, o desalojamento começará ainda em 2019, devendo estar finalizado em 2021. As aldeias beduínas não reconhecidas não aparecem nos mapas oficiais de Israel, os moradores não têm endereços e as autoridades israelitas não lhes fornecem serviços básicos como água e eletricidade. As autoridades não reconhecem os seus direitos sobre a terra e consideram-nos infratores que ocupam as terras estatais israelenses. 
 
Essas aldeias não reconhecidas foram criadas no deserto Neguev/Naqab pouco depois da criação do Estado de Israel, por ocasião da qual cerca de 750000 palestinos foram expulsos de suas casas e se tornaram refugiados. Muitos dos beduínos foram transferidos à força para os locais das aldeias durante os 17 anos em que os palestinos que permaneceram em Israel estiveram sob regime militar. Este regime só terminou pouco antes de em 1967, depois de Israel ocupar militarmente a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental.
 
As condições de vida da população beduína que se encontra espalhada em 45 assentamentos beiram à tragédia. Não recebe serviços regulares, tais como água, eletricidade, saúde e bem-estar. E, quando conseguem, com apoio internacional, construir uma escola de pneus, como é o caso da Khan al-Ahmar, veem seus esforços serem literalmente destruídos.
 
As violações dos direitos palestinos por parte de Israel e a permanente política de segregação e limpeza étnica dos povos originários, é parte de um contexto que se agravou desde a criação do Movimento Sionista Internacional no final do século XIX, da divisão da Palestina secular em dois Estados e a consequente criação do Estado de Israel sem fronteiras definidas, em 1948, enquanto, passados 72 anos, o Estado palestino continua impedido de se viabilizar. É uma situação grave para a humanidade, que só será solucionada quando se assegurar os legítimos direitos do povo palestino, assegurados na Carta das Nações Unidas e respaldado pelo Direito Internacional, com o direito ao retorno dos refugiados, a compensação e a permanência de todos no Estado da Palestina, com um território único do rio ao mar.
 
 
Sayid Marcos Tenório é historiador e secretário-geral do Instituto Brasil-Palestina. É autor do livro Palestina: do mito da terra prometida á terra da resistência.

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