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A Nakba Palestina: 72 anos de uma história diaspórica 1

Por Bárbara Caramuru 2

Hoje, 15 de maio de 2020, relembramos os 72 anos da Nakba – a catástrofe ocorrida em maio de 1948, possivelmente a maior agressão ao povo palestino. No ano de 2017 relembramos o centenário da “Declaração de Balfour” e o cinquentenário da Guerra dos Seis Dias - que culminou com a ocupação dos territórios palestinos de Gaza e da Cisjordânia. Ao longo de todo esse processo de ocupação da terra palestina, a história dessas pessoas, foi narrada como uma história de “sucessivas tragédias”, uma “Nakba contínua”. Todavia, ao lembrarmos destes fatos que marcam a limpeza étnica palestina [3], bem como a expropriação de terras e ocupação sionista da terra palestina, hoje, compreendemos a história das pessoas palestinas como uma história de luta e de resistência.

Voltando aos fatos históricos, ao sionismo político, chegamos à Theodor Herzl, jornalista austríaco, principal teórico do sionismo moderno, que produziu na segunda metade do século XIX a obra: Der Judenstaat (O Estado Judeu). Herzl sugere a criação de um estado étnico-religioso, judeu, no território da Palestina. Para a execução desse projeto foram propostas ações repressivas. Em seu diário, Herzl afirma: “Tentaremos expulsar a população miserável para além da fronteira [...] negando-lhes qualquer emprego em nosso país [..] Tanto o processo de expropriação como a retirada dos pobres deve ser executada de maneira discreta e circunspecta”.[4]

A partir da criação do sionismo moderno, iniciou-se uma teia de negociações em torno da fundação de um estado judeu. Sendo uma das principais propostas a fundação desse estado na Palestina, consequentemente houve o aumento da migração judaica para a região. A “Declaração de Balfour”, que completa ano 103 anos, produzida em 2 de novembro de 1917, consagrou-se como o documento de assentimento à proposta sionista. Nela o ministro britânico James Balfour declarou seu apoio a constituição de um “lar nacional” judeu, na Palestina, embora outros tratados de 

divisão da região já estivessem sido negociados anteriormente.[5] Somada a proposta política de Herzl, essa declaração impulsionou a imigração dos judeus na Palestina no período que tange o final do século XIX e primeira metade do século XX. Nesse período, a região via-se sob dominação Otomana e subsequentemente britânica. Após a fragmentação do Império Otomano, na Primeira Guerra Mundial, o Oriente Médio passou por um período de dominação franco-britânica, conhecido como “período mandatário”.

Posteriormente, a Liga das Nações, organismo que precedeu a Organização das Nações Unidas - ONU, propôs a divisão da Palestina em dois Estados: Palestina e Israel. As negociações recuaram mediante a Revolta Árabe, ocorrida durante a década de 30, em reação a ocupação e dominação da plaga. Subsequentemente, a proposta foi entregue à recém-criada ONU. A partilha da Palestina histórica foi realizada no ano de 1947. A divisão do território destinou 11.000 km² para um milhão de palestinos e 14.000 km² para 700.000 judeus. [6]

Todavia, a “Catástrofe” palestina é marcada pelo ano de 1948. Em maio deste ano, 80% da população palestina foi expulsa do seu território, exilada pelo exército de Israel junto a colaboração de colonos judeus. O fato, denominado em língua árabe Al Nakba, refere-se à “Catástrofe” sofrida por todo aquele sujeito de origem palestina, vítimas da política de expulsão, extermínio e limpeza étnica realizada pelo Estado de Israel. A Nakba é responsável por gerar milhões de refugiados palestinos pelo mundo, hoje algumas estimativas apontam para aproximadamente 6 milhões de pessoas. Na sequência dos “grandes fatos”, entre os dias 05 e 10 de junho de 1967 ocorreu a “Guerra dos Seis Dias”, confronto entre a Liga Árabe e Israel. Esse evento, novamente, reconfigura as fronteiras palestinas. Em 1967 Israel efetivou a ocupação dos territórios de Gaza e da Cisjordânia.

Segundo a Organização das Nações Unidas, “é classificado na categoria de refugiado palestino todo indivíduo que residia na Palestina de dominação britânica no período entre junho de 1946 até 15 de maio de 1948 (Nakba) e seus descendentes, o que na atualidade significa, aproximadamente, cerca de 5 milhões de pessoas.”5 Entre esse contingente de refugiados estão os membros da Comunidade Palestina do Chile, localizada em Santiago. Estimativas apontam que essa seja a maior comunidade palestina do mundo, externa aos países árabes  Segundo a estimativa local há entre 300.000 a 500.00 palestinos no Chile hoje, 

entre imigrantes refugiados e seus descendentes.

Como podemos observar, no mapa da ocupação palestina, ao longo das últimas décadas Israel tem avançado significativamente sua ocupação. Essa constante expansão da ocupação israelense tem provocado a constituição de uma identidade palestina diaspórica, na medida em que a população palestina, hoje, encontra-se como uma das maiores populações vítimas da diáspora. Podemos observar no mapa a progressão da ocupação israelense:


Fonte: Pinterest [7]

 

Entrevistando palestinos da comunidade palestina Chilena, no ano 2016, pude perceber o quanto a narrativa palestina tem diariamente se auto-afirmado não como um martírio, mas como uma “fortuna”. Vejamos a fala de Gabriel, um jovem palestino:

“Ser palestino não significa nascer. Ser árabe é um tipo de vida. Eu penso que isso não se elege, te toca. Há uma frase muito famosa que diz: eu não elegi ser palestino, só tive sorte. Ou seja, ser palestino é uma fortuna. Tem muita gente que vai dizer, por exemplo: como pode ser que ser palestino seja uma fortuna? Não há história mais trágica que ser palestino. Um povo sem terra, que tem que viver no exílio e todo mundo nega sua existência. Ou seja, que difícil pode ser nascer sabendo 

que todo mundo nega sua existência […] Eu creio na existência de um povo palestino. (Fala da importância da terra para os palestinos, cita uma frase em árabe: “a terra palestina é mais cara que ouro” ) Ser palestino é muito confuso e complicado [...] A Palestina (como um Estado Nação) nunca existiu. A existência do país é mais complexa. É um povo que jamais se deixou submeter. Imagine que o exército mais poderoso do mundo leva mais de 65 anos tentando fazer desaparecer um povo que com sorte tem casa, tem acesso a água. Com sorte não tem desaparecido. Há uma luta muito simbólica na entrada da Palestina na ONU. Um pequeno presente. A gente que não se entregou. Há gente que morreu por uma causa”. (Entrevista concedida por Gabriel, em Santiago no dia 03 de março de 2015) [6].

A fala de Gabriel se faz ilustrativa, sendo fundamental para o nosso entendimento. Gabriel é palestino, nascido no Chile. Ser palestino, para ele e para muitos, não é simplesmente falar árabe ou ter um registro de nascimento. Ser palestino é pertencer a uma cultura, um povo, uma tradição, uma terra que foi e continua sendo ilegitimamente ocupada. Como afirma Gabriel, para o povo palestino, “La tierra palestina és más cara que el oro”. Nos últimos cem anos e principalmente nas últimas sete décadas, tendo em vista a diáspora sucedida na Nakba, o povo palestino foi cotidianamente perseguido, dizimado, oprimido, expulso de seus lares e de sua terra. A causa palestina, hoje, é mais que uma causa política humanitarista, por direitos humanos e pelo direito a terra. A causa palestina é também uma disputa narrativa pela vida. Uma disputa na qual vigora uma assimetria na relação de forças entre Israel e Palestina, seja ela bélica, narrativa ou econômica. Chegando ao fim desse breve artigo, questiono a você caro leitor, sendo essa história de luta e resistência ou de martírio porque você ainda a desconhecia? Quais os interesses para que a história transcorresse tal como descrita aqui? “Há gente que morreu por uma causa”. Que a narrativa palestina seja lembrada nessa rememoração da Nakba como uma narrativa pela vida.

 

[1] Esse artigo é resultado da etnografia “La Tierra Palestina és más cara que el oro: narrativas palestinas em disputa”. Dissertação de mestrado, realizada nos anos de 2015 a 2017, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do paraná, PPGA/UFPR. Financiada pela Fundação Capes.

[2] Bárbara Caramuru é doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFSC. Mestra em Antropologia pela UFPR. Graduada em História pela mesma instituição. Fundadora e coordenadora do Núcleo de Estudos Palestinos Latino-Americano, NEPLA.

[3] PAPPÉ, Ilan. The 1948 Ethnic Cleansing of Palestine. Em: Journal of Palestine Studies Vol. XXXVI, No. 1. University of California Press, 2006.

[4] CLEMESHA, A. Da ideia de transferência à realização da limpeza étnica: contribuições da nova historiografia israelense e palestina. PUCVIVA 34, Janeiro/Abril, 2009. p.6

[5] O acordo de “Sykes-Picot” tratava-se de uma negociação ocorrida em 16 de maio de 1916 pelos representantes do Reino Unido e França, Mark Sykes, e François Georges-Picot, acerca da influência e do domínio de suas nações no Oriente próximo.

[6] CARAMURU, B. “La tierra Palestina es más cara que el oro: narrativas palestinas em disputa. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia-PPGA, UFPR, Curitiba, 2017. P.57. Disponível na íntegra na dissertação de mestrado CARAMURU, B. “La tierra Palestina es mas cara que el oro: narrativas palestinas em disputa. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia-PPGA, UFPR, Curitiba, 2017.

[7] Disponível em: https://www.pinterest.co.uk/pin/285978645065694173/?autologin=true

Acesso: 15 Mai 2020

 

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