Bolsonaro rompe tradição diplomática e vota contra palestinos na ONU
Faltando uma semana para visita de Bolsonaro à cidade de Tel Aviv, o Itamaraty deu demonstração de apoio a Netanyahu e votou contra resoluções que condenavam Israel. Brasil também não apoiou um texto que criticava a ampliação dos assentamentos ilegais e votou contra resolução que condenava violações por parte de Israel nas Colinas de Golã
GENEBRA – Num dia que promete marcar a história da diplomacia brasileira, o governo de Jair Bolsonaro abandona o apoio às autoridades palestinas na ONU e vota em defesa do governo de Israel, pela primeira vez no Conselho de Direitos Humanos.
A atitude foi interpretada mesmo dentro do Itamaraty como uma das maiores mudanças nas diretrizes da política externa em décadas e deixou o País isolado de grupos dos quais tradicionalmente fez parte: América Latina, Brics e mesmo dos países emergentes.
Uma das resoluções rejeitadas pelo Brasil pedia justiça diante de supostas violações e crimes por parte de Israel em conflitos registrados em 2018 em Gaza. O governo de Jair Bolsonaro também votou contra uma resolução favorável aos sírios e que condena Israel por violações aos direitos humanos em sua ocupação das Colinas de Golã e se absteve no que se refere à expansão dos assentamentos israelenses em terras ocupadas.
A decisão representa uma ruptura em relação à posição histórica do Brasil na região. Desde 2006, 29 resoluções contra Israel foram colocadas à votação no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Os diferentes governos do Brasil – Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer – votaram a favor de todas elas, condenando Tel Aviv.
Faltando uma semana para a visita de Bolsonaro para Tel Aviv, o Itamaraty optou por votar contra uma resolução que estabelecia a necessidade de que violações cometidas pelo governo de Benjamin Netanyahu fossem levadas à Justiça.
A resolução que condena Israel é resultado de uma investigação realizada por uma comissão internacional que concluiu que soldados de Tel Aviv atiraram sobre manifestantes desarmados, matando pelo menos 189 palestinos em 2018. Mais de 6 mil palestinos ainda ficaram feridos em confrontos com forças de Israel, entre março e dezembro de 2018.
"As forças de segurança de Israel cometeram violações de direitos humanos e de direito humanitário", apontou o informe. "Algumas das violações podem constituir crimes de guerra ou crimes contra a humanidade", alertaram os autores do documento de mais de 250 páginas.
O Brasil votou a favor da criação da investigação internacional, ainda em maio de 2018 e sob o governo de Michel Temer. Mas, na gestão de Bolsonaro, decidiu votar contra. Apenas oito países votaram contra a resolução. O Brasil foi o único latino-americano a tomar tal atitude. Ao lado de Bolsonaro estavam tradicionais aliados dos EUA, como Ucrânia e Austrália, além do governo de extrema-direita de Viktor Orban, da Hungria.
Ao explicar sua oposição à resolução, o governo do Brasil reconheceu que houve uma maior flexibilidade por parte dos palestinos na redação do texto. O Itamaraty ainda insistiu em demonstrar "solidariedade" com as vítimas e lamentou a violência. Em seu discurso, a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, pediu "moderação" por todos.
Mas indicou que países tem o direito de se defender, sempre que for de maneira proporcional. Segundo ela, porém, isso não seria suficiente para que o Brasil de Bolsonaro apoiasse o documento.
Para a embaixadora, a comissão de investigação foi além de seu mandato e o governo brasileiro não poderia atender aos pedidos de adotar sanções e nem prender eventuais responsáveis pelos crimes, se visitassem o Brasil.
O voto acabou com a aprovação da resolução, apoiada por 28 países como Espanha, Chile, México e Peru. Uruguai e Argentina se abstiveram, assim como o Reino Unido, Dinamarca e mesmo a Itália de Matteo Salvini, aliado de Bolsonaro.
A delegação palestina na ONU "lamentou" a decisão do governo Bolsonaro, apontando para o fato de a votação ser a primeira a ver um voto do Brasil explicitamente contra Ramallah. "Não entendemos", criticou a delegação em Genebra.
Direitos – Horas depois, mais uma mudança profunda: o Brasil indicou que deixaria até mesmo de tomar a palavra ao debater a situação de Israel enquanto o país for singularizado de forma tendenciosa na ONU.
Para o governo brasileiro, é difícil avaliar até que ponto a aprovação de resoluções em apoio aos palestinos nos últimos anos tem feito qualquer diferença para a população.
O Brasil, nesse caso, votou a favor de uma resolução que defende o direito à autodeterminação do povo palestino. Mas insiste que chegou a hora de a ONU mudar a forma de lidar com o caso e sugeriu maior equilíbrio para que a polarização do debate seja superada.
Numa terceira resolução sobre a situação de Jerusalem e sobre os territórios ocupados, o Brasil manteve seu apoio ao texto que pede que os direitos humanos dos palestinos sejam respeitados.
Mas, num quinto texto que condenava Tel Aviv pela construção de assentamentos israelenses em terras ocupadas, uma vez mais o Brasil modificou sua posição tradicional.O Itamaraty, no lugar de apoiar a resolução, optou agora por se abster.
Ao explicar o voto, a embaixadora do Brasil insistiu que o governo apoia a ideia de uma solução com dois estados na questão palestina e "lamentou" a ampliação dos assentamentos israelenses. Segundo ela, trata-se de um "obstáculo" aos esforços de paz. Ainda assim, a diplomata explicou que iria se abster.
A justificativa: unificar resoluções e reduzir o número de textos em consideração. A resolução foi aprovada com 32 votos a favor, inclusive a da Argentina e Chile. Apenas dez países optaram por se abster.
Visivelmente irritado, o embaixador palestino na ONU, Ibrahim Khraishi, criticou a abstenção do Brasil. "É algo muito estranho. O Brasil não está adotando sua posição histórica e optou por se abster no caso de uma catástrofe", disse. "Trata-se de um crime de guerra. Por que uma abstenção. Inacreditável", afirmou.
Golã – A transformação não se limitou às causas palestinas. Pela primeira vez, o Brasil ainda votou contra uma tradicional resolução que, todos os anos, condena as violações de direitos humanos na ocupação das Colinas de Golã, por parte de Israel.
O texto foi aprovado por 26 votos a favor, incluindo do Chile, México, Peru e Uruguai. Mas, ao explicar a mudança histórica, a diplomata brasileira indicou que o texto da resolução "não é equilibrado" e que lidaria apenas com partes das violações sofridas pela população. De acordo com ela, o texto trata apenas das violações cometidas por Israel. Mas se mantém em "silêncio" no que se refere aos crimes do governo sírio.
O governo sírio atacou quem votou contra a resolução. "Esses governos dizem que defendem os direitos humanos", ironizou o embaixador de Damasco na ONU, Hussam Edim Aala.
"É uma posição lamentável a do Brasil", disse. "Temos milhões de descendentes sírios que são cid.
"Isso apenas vai incentivar as políticas israelenses de ocupação e a tentativa de ampliar a ocupação", declarou. "Essa atitude do Brasil não ajuda a trazer uma paz mais ampla para o Oriente Médio", completou.
O voto vem um dia depois que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, defendeu que o país reconheça as Colinas do Golã como parte de Israel, contradizendo décadas da política externa americana e violando uma resolução da ONU sobre o caso.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, elogiou o anúncio de Trump, que ocorreu durante a visita do secretário de Estado Mike Pompeo ao país e às vésperas das eleições gerais em Israel.
A atitude do Brasil foi criticada por ativistas e ongs. "O Brasil está trazendo o alinhamento automático com EUA para um foro dedicado a proteção de pessoas e suas liberdades", declarou Camila Asano, da entidade Conectas. "Essa politização de sua atuação no Conselho de Direitos Humanos da ONU, ironicamente, faz do Brasil um país que pauta sua posição menos pelos direitos humanos e mais para estar junto com quem escolheu ser seu patrono", disse.
"Não vejo como isso não seria uma repetição do viés ideológico que o clã Bolsonaro tanto critica", insistiu.
Para ela, a "submissão da política externa é algo novo no Brasil recente e o afasta de sua tradição de defesa internacional da paz e direitos humanos".
"Sem falar que atropela interesses nacionais", disse. "Esses votos minam a capacidade de influência do Brasil sobre outros países e podem ter inclusive consequências econômicas se considerarmos a pressão que já sofreu dos mercados árabes quando ventilou a possibilidade de mudar sua embaixada para Jerusalém", completou
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.
Fonte: UOL
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