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Estado-Nação israelense, nova etapa do apartheid colonialista

Israel é hoje um Estado que não respeita o Direito Internacional, que não tem uma Constituição e nem fronteiras definidas

Por Berenice Bento e Sayid Marcos Tenorio*

 

Estima-se que cerca de 22% da população brasileira é evangélica.  Qual seria sua reação se lesse a seguinte manchete: “A partir de hoje, nos termos da lei, não serão considerados/as brasileiros/as, todos/as aqueles/as adeptos das religiões evangélicas”? Você concordaria que, de um momento para outro, seu colega ou qualquer outra pessoa, tivesse sua cidadania brasileira negada por ser adepto de uma religião evangélica?

  

Foi exatamente isso que o parlamento israelense (Knesset) aprovou em 19 de julho. Com a Lei Básica “Estado-Nação”, Israel passa a ser, legalmente, um Estado exclusivo para o/a judeu/judia. A nova lei é uma vitória da direita sionista que governa Israel e uma derrota do resto do mundo, cuja quase totalidade dos países membros da Assembleia Geral da ONU, aprovam o direito dos palestinos ao seu Estado independente.

 

Cerca de 20% da população israelense é formado por palestinos cristãos e muçulmanos que, por diversos motivos, conseguiram manter-se em suas casas.  Explicando melhor: A criação do Estado de Israel em 1948 deu início a uma limpeza étnica radical. Cerca de 600 vilas palestinas foram completamente destruídas, muitas delas através de massacres que em nada devem para os requintes de crueldade praticados pelo nazismo.

  

Qual foi o destino da população palestina? Basicamente, três caminhos: 1) campos de refugiados; 2) exílio; 3) conseguiram sobreviver à limpeza étnica e ficaram em suas terras. No entanto, suas casas e terras passaram a fazer parte de Israel. Qual o estatuto político destes palestinos que passaram a habitar Israel? Tornaram-se israelenses de segunda categoria. Atualmente, cerca de 20% da população israelense é composta de palestinos-israelenses e que, a partir de 19 de julho, terão seu pertencimento ao Estado de Israel redefinido. A lei aprovada pelo Knesset continuará, por outros meios, o trabalho de limpeza étnica, só que agora, ao nível intramuros.

  

Como qualquer estado racista, a coluna vertebral que o sustenta é sua politica de controle populacional. Ou seja, as perguntas (ou fantasmas) que rondam os estados racistas são: quem pode/merece estar no Estado-nação? Quais são os corpos que podem demandar reconhecimento legal de pertencer ao Estado? A lei aprovada pelo Knesset eleva a um nível máximo a caracterização de Israel como estado racista. Agora se tornará mais violento porque quanto mais racista, mais violento é o Estado. O que significa que para cerca de 20% da população israelense a vida se transformará (ainda mais) em um inferno. “Ainda mais” não é um recurso estilístico. A vida dos palestinos-israelenses já era um inferno, mas havia uma suposta esperança (quase sempre malograda) de recursos jurídicos.

  

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O estado racista realiza políticas de controle em todos os poros da sociedade, do nível material ao simbólico. A definição do hebraico como a língua oficial, reduzindo o árabe a “categoria especial”, joga para dimensão simbólica a luta pela eliminação do “outro indesejável”, aquele que deve ser eliminado em todas as dimensões existenciais. O sofrimento linguístico, já amplamente conhecido pelos palestinos presos que têm todo o processo jurídico realizado em hebraico e não em árabe, agora será vivenciado também pelos palestinos-israelenses. Imaginem o sofrimento psíquico de uma criança que não poderá aprender mais a língua falada em casa na escola?

  

A lei não se limita a legislar sobre questões vinculadas à população israelense. Estabelece que o Estado irá continuar incentivando os assentamentos ilegais nas terras palestinas.  Se a proposta de dois Estados já vem sendo considerada impossível, devido ao nível de fragmentação territorial palestino, resultado da incansável voracidade de Israel em roubar as terras palestinas e sua política contínua de limpeza étnica, em flagrante desrespeito a todas as Resoluções da ONU, agora, não há qualquer espaço para se defender dois Estados.

 

Estamos assistindo a uma nova fase do projeto colonial sionista. Não se pode continuar nomeando o que acontece em alguns territórios palestinos de “ocupação israelense”. Como é possível que uma ocupação (que se define pelo seu caráter temporário) dure 70 anos, se considerarmos que a criação do Estado do Israel já se iniciou com a ocupação de territórios além dos estabelecidos pela partilha?  Israel colonizou a Palestina. Trata-se de um Estado colonial e, internamente, segregacionista.

  

Ainda nesta lei define-se que a capital de Israel é “Jerusalém unificada”. E qual será o status de Jerusalém Oriental que internacionalmente é considerada como “ocupada”? O que Israel fará com a população palestina de Jerusalém Oriental?

 

Se considerarmos o impacto desta lei, podemos afirmar que ela representa uma nova fase na fundação do Estado de Israel. A lei, certamente, não representa uma ruptura, mas ela sistematiza globalmente o que já estava sendo implementado de forma fragmentada. Com isso, entramos em uma nova fase na luta pela autodeterminação do povo palestino. Agora, serão os palestinos que têm a cidadania israelense que irão engrossar a luta pelo boicote ao Estado racista de Israel.

  

Podemos inferir que haverá um aumento considerável de adesão ao BDS (movimento pelo boicote, desinvestimento e sanções ao Estado de Israel) não exclusivamente em torno da solidariedade à autodeterminação do povo palestino. A situação dos palestinos-israelenses (que, até certo ponto, viviam das migalhas do Estado racista de Israel) se desnudará. Ou seja, teremos uma ampliação do nível de intersecção, de unidade, entre os palestinos que vivem em Israel e os que estão sob o jugo colonial. O projeto do Estado sionista tem dias (talvez ainda alguns anos) contados.

 

Israel é hoje um Estado que não respeita o Direito Internacional, que não tem uma Constituição e nem fronteiras definidas. Vale-se disso, do poderio militar e da omissão das nações. A aprovação da Lei Básica “Estado-Nação” pelo Parlamento de Israel serve a esse projeto sionista de limpeza étnica, ocupação e expansão ilegal de seu território.

 

A libertação da Palestina é agora, mais do que antes, uma causa de toda a humanidade. A causa do direito e da justiça para um povo que sofre as agruras de um apartheid racista e genocida.

 

Berenice Bento é professora do Departamento de Sociologia da UnB e Sayid Marcos Tenorio é secretário-geral do Instituto Brasil Palestina (Ibraspal)

 

Artigo publicado originalmente no OperaMundi

 

 

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    postado por: Lúcia Rodrigues
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