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"Gaza: Isolamento e controlo", por Ben White

Este Verão marca um aniversário importante, mas muitas vezes negligenciado, na história da Faixa de Gaza. Há trinta anos, em Junho de 1989, Israel impôs pela primeira vez um sistema de cartão magnético para restringir a saída de residentes palestinos. A quem tivesse sido negado um cartão seria impedida a saída

Embora o bloqueio de Israel a Gaza seja frequentemente visto como uma resposta à ascensão do Hamas ao poder em 2006-2007, o isolamento do enclave remonta a três décadas atrás e, para muitos analistas, essa perspectiva histórica é essencial para entender os desenvolvimentos actuais.

«Eu acho que é extremamente importante olhar para o contexto mais amplo para entender o que está a acontecer hoje em Gaza», disse Tania Hary, directora executiva da ONG israelita de direitos humanos Gisha, à Al Jazeera.

«A maioria das pessoas acredita erroneamente que o que está a acontecer é o resultado de o Hamas estar no poder e que, conquanto a crise humanitária seja um efeito colateral “infeliz”, Israel acaba por não ter alternativa.»

Na realidade, activistas de direitos humanos e estudiosos apontam que as restrições impostas por Israel à Faixa de Gaza são parte de uma sequência que remonta a décadas atrás e que precede o controlo do Hamas e o lançamento de foguetes.

«O bloqueio não é um evento isolado na política de Israel em relação a Gaza», disse à Al Jazeera Sara Roy, investigadora sénior do Centro de Estudos do Médio Oriente da Universidade de Harvard.

«Desde o início da ocupação, em 1967, a política israelita em relação a Gaza tem sido moldada por considerações políticas que restringiram deliberadamente o desenvolvimento económico interno e as reformas estruturais, a fim de impedir o surgimento de um Estado palestino», acrescentou.

«O bloqueio pode ser entendido como parte desse contínuo político.»

Segundo Tareq Baconi, analista do International Crisis Group e autor de Hamas Contained, «é impossível não ver esse bloqueio como uma continuação das políticas israelitas de pacificação e isolamento que remontam à fundação do Estado em 1948».

«O Hamas é simplesmente a folha de parra que permite a Israel sustentar, em relação a Gaza, políticas que há muito tempo informam a sua abordagem à Faixa, impulsionadas principalmente por razões demográficas e por razões que têm a ver com a despolitização da luta palestina», continuou.

«O actual bloqueio na Faixa de Gaza não começou com o Hamas, e se o Hamas fosse removido da equação, era muito provável que os esforços israelitas para conter a Faixa de Gaza se metamorfoseassem numa nova fórmula», disse Baconi à Al Jazeera.

“Grande prisão”

Já em 1995 — como neste relatório do The New York Times — os palestinos descreviam as condições na Faixa de Gaza como se vivessem numa «grande prisão».

Em 1998, a Comissão Europeia destacava as «restrições draconianas permanentemente impostas por Israel à entrada e saída de pessoas e mercadorias com origem ou destino em Gaza».

O isolamento da Faixa de Gaza intensificou-se drasticamente durante a segunda Intifada, e depois, novamente, após a retirada unilateral de colonos por Israel em 2005 — um desenvolvimento que, ao contrário das pretensões israelitas, não mudou o estatuto de Gaza ocupada por Israel.

«O movimento tornou-se a excepção, e a restrição é a regra», disse Hary, cuja ONG trabalha para proteger a liberdade de movimento dos palestinos.

«Enquanto anteriormente qualquer pessoa podia viajar livremente, com excepção daqueles a quem isso tivesse sido negado, a situação alterou-se no final dos anos 80 e início dos anos 90, de modo que agora ninguém pode viajar, com excepção daqueles que têm autorização.»

Essa perspectiva mais ampla está em desacordo com um compromisso internacional que tende a ser reactivo e moldado por um padrão de escaladas periódicas entre Israel e facções palestinas.

Mas Israel justifica as restrições ao movimento principalmente citando preocupações de segurança.

Em Novembro de 2018, no Gaza Policy Forum, dezenas de diplomatas, agências de ajuda humanitária e especialistas reunirem-se para discutir a melhor forma de salvaguardar os direitos humanos dos residentes palestinos do enclave.

Um documento emitido após a reunião afirmou que «Gaza é a manifestação mais extrema de um processo que vem ocorrendo no território palestino como um todo desde 1993: o processo de manter o controlo, sem ter a responsabilidade que vem com esse controlo».

Baconi, que participou no evento, disse à Al Jazeera que concorda com essa avaliação. «A política israelita em relação aos palestinos é manter a capacidade de Israel administrar os territórios [ocupados] e a questão palestina mais ampla, com o mínimo de responsabilidade e custo para o público israelita.»

Roy concorda. «Israel manteve o controlo total sobre Gaza sem assumir qualquer responsabilidade real por isso», disse ela à Al Jazeera. A responsabilidade, acrescentou ela, «tem sido em larga medida deixada para a comunidade de doadores».

O facto de a comunidade internacional ter assumido as obrigações de Israel, em vez de o pressionar ou exigir responsabilidade, preocupa os que acham que há que aprender com Gaza para lidar com os desígnios de Israel para a Cisjordânia.

«Eu acho que se deve prestar muita atenção ao exemplo de Gaza », disse Hary à Al Jazeera, «porque penso que isso é o que poder vir a ser aplicado na Cisjordânia, e até certo ponto já o é, mas podemos vir a ver versões mais extremadas.»

«Ao não exigir a responsabilidade pela política de Israel para Gaza, a comunidade internacional está a arriscar tornar a população da Cisjordânia vulnerável ao mesmo nível de desrespeito.»

«Eliminar o controlo palestino»

Na edição de 2016 de The Gaza Strip: The Political Economy of De-development, Roy identificou «dois temas recorrentes» nas suas «três décadas de investigação na Faixa de Gaza».

O primeiro é «o desejo de Israel de se livrar de qualquer responsabilidade por Gaza, mantendo ao mesmo tempo o controlo». O segundo tema «centra-se no desejo de Israel de “trocar” Gaza, por assim dizer, pelo controlo pleno da Cisjordânia com aprovação internacional (isto é, americana)».

No fundo, escreveu ela, «o objectivo seria eliminar o controlo palestino sobre toda a Cisjordânia e Jerusalém Oriental e cortar a maioria dos laços entre essas áreas e Gaza».

No início deste ano, o conselheiro do primeiro-ministro, Jonathan Urich, disse ao jornal Makor Rishon que Benjamin Netanyahu «conseguiu obter uma ruptura» entre Gaza e a Cisjordânia e «destruiu eficazmente a visão de um Estado palestino nessas duas regiões».

Urich pode ter estado a falar no contexto da campanha eleitoral, mas o status quo na Faixa de Gaza e na Cisjordânia — e a recusa da comunidade internacional em desafiar o paradigma de Israel de «responsabilidade sem controlo» — torna difícil argumentar contra tal afirmação.

Este artigo foi originalmente publicado na página da Al Jazeera em 10 de Junho de 2019. Tradução do MPPM.


Os artigos assinados publicados nesta secção, ainda que obrigatoriamente alinhados com os princípios e objectivos do MPPM, não exprimem necessariamente as posições oficiais do Movimento sobre as matérias abordadas, responsabilizando apenas os respectivos autores.

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