Gaza: Este corpo queimado de uma menina palestina é geopolítico da cabeça aos pés. Nem moral, nem ética, nem proporcionalidade, nem justiça, nem compaixão, nem antropologia, é simplesmente geopolítica
Houve, ao longo da história, muitos momentos em que o extermínio se disfarçou com os conceitos já mencionados, mas por trás deles apenas uma ideia batia: a da geopolítica.
Por Juan José Millás
Se você realmente não entende o que queremos dizer quando falamos sobre geopolítica, aqui está um exemplo muito claro. Este corpo queimado de uma menina palestina é geopolítico da cabeça aos pés. Não vá ao Google para verificar o mapa de Gaza. Para o mapa, as pernas deste bezerro do qual não há uma lacuna sem bandagem porque não houve um único centímetro de sua pele que permaneceu sem cicatrizes no decorrer de um bombardeio israelense realizado na última quarta-feira, 12 de maio. Isso não é moral, nem ético, nem proporcionalidade, nem justiça, nem compaixão, nem antropologia, isso é simplesmente geopolítica. Houve, ao longo da história, muitos momentos em que o extermínio se disfarçou com os conceitos já citados, mas por trás deles apenas uma ideia batia: a da geopolítica. Leia, se não estiver familiarizado com ele, Geography's Revenge, um ensaio de Robert D. Kaplan sobre um assunto tão delicado.
Se você continuar avançando em direção ao norte do corpo da menina, representado por sua cabeça, verá que a geopolítica também devastou seus órgãos genitais, sua barriga, seu peito e todo o braço esquerdo, assim como seu rosto. O médico palestino que a trata faz, coitado, o que pode com a geopolítica de hoje enquanto, atrás dele, na cama que aparece ao fundo, vislumbramos outro corpo, sem dúvida vítima também não de legítima defesa nem da ética nem da piedade nem de altruísmo, solidariedade ou afeto pela espécie, mas de geopolítica, conceito que remete ao Neolítico, talvez ao Paleolítico, períodos históricos que aconteceram naquela quarta-feira.
Fonte: O País da Espanha
Tradução: IBRASPAL
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