Gritos das crianças imigrantes. Alguém as escutará?
Que rápido esquecemos que praticamente todos fomos ou temos antepassados imigrantes! Durante o curso da história muitos o foram contra sua vontade
Por Jaime Abedrapo
Novamente Trump é o mensageiro do fim da era dos consensos mundiais. Desta vez colocou os filhos de imigrantes longe de seus pais e provocou a reação da opinião pública mundial que permitiu, por ao menos alguns dias, lembrar a crise humanitária que existe atrás da onda migratória que caracteriza nosso tempo e que se converteu na consequência estrutural do processo de mundialização. Só nos Estados Unidos foram separados mais de 2.300 filhos de seus pais imigrantes desde abril deste ano, na (anti) política de Tolerância Zero.
A ação de separar os filhos de seus pais chamou a atenção e se converteu em um escândalo político graças as filmagens que registraram a dor dos filhos, o sentimento de orfandade. Por uma estranha coincidência ocorreu no mesmo Dia Internacional dos Refugiados, que hoje são mais de 68 milhões de pessoas. Muitos deles sobrevivem em condições miseráveis produto do fosso financeiro que se encontra o Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas (os países não estão aportando com o necessário, talvez não lhes interesse), e porque os conflitos internacionais, e em particular os interestatais, têm aumentado. É certo que os imigrantes são muitos mais que os refugiados, são pessoas que em geral buscam novas oportunidades para prosperar ou pelo menos viver mais dignamente.
“A administração Trump parece não estar disposta a aceitar o respeito mínimo que exige o Direito Internacional dos direitos humanos aos imigrantes.”
A sociedade interconectada e interdependente aumentou de forma explosiva o intercâmbio de bens e serviços (criação do mercado), ademais tecnológico, entretanto são as pessoas a complicação, sobretudo as que vêm de lugares em que o desenvolvimento não chegou. Mas o acesso às novas tecnologias tem permitido informar de forma massiva sobre a realidade de outros países, e com esse pseudoconhecimento se alistam os imigrantes em busca de novos horizontes, aproveitando as facilidades de deslocamento aéreo, marítimo e terrestre, ademais as “ajudas” de organizações ilícitas que ganham com esses sonhos.
A reação ao descrito, em um mundo internacional com a fadiga de convicções e com menor respeito ao regime internacional pós Guerras Mundiais, tem sido o ressurgimento dos nacionalismos excludentes e populismos encarnados por lideranças emergentes que representa um processo de desumanização do sistema internacional.
A administração Trump parece não estar disposta a aceitar o respeito mínimo que exige o Direito Internacional dos direitos humanos dos imigrantes, já que bem se reverteu a medida de separar os pais dos filhos, ele foi rechaçado por parte dos próprios republicanos.
“Os imigrantes estão resguardados em seus direitos fundamentais pelo fato de serem pessoas. Por isso, as ações de Trump são absolutamente injustificáveis.”
Por outro lado, se não existe outro pacto ou tratado que proteja especificamente o imigrante mais que a Convenção sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Imigrantes e suas Famílias de 1990, nasceu no marco da OIT, e entrou em vigor em 2003, não pode ignorar que os imigrantes estão resguardados em seus direitos fundamentais pelo fato de serem pessoas. Por isso, as ações de Trump são absolutamente injustificáveis a luz da Carta dos Direitos Humanos e jurisprudência no tema. Separar pais de filhos menores de idade (mais de 100 dos 2.300 têm menos de 4 anos) por uma situação de imigração é uma violação injustificável.
Para se interpretar a situação a partir de uma perspectiva menos conjuntural e mais geral, devemos assinalar que a Casa Branca está tentando cumprir suas promessas de campanha, e assim reduzir os aproximadamente 300 mil imigrantes que ingressam nos Estados Unidos anualmente. Para isso, o presidente Trump assinou a retirada de seu país do Pacto de Nova York (2016), no qual seu antecessor (Obama) se comprometeu a trabalhar um plano de ação que abordará integralmente a maneira de regularizar a situação dos imigrantes e avançar nos compromissos com os estados de onde vem a maioria deles, de modo a reduzir os fluxos de imigração por meio de acordo entre as partes. Agora a estratégia é unilateral, rápida e sustentada na coerção.
Certamente as migrações têm se transformado em um tema do planeta. Alguns tem enfatizado o assunto pela perspectiva da segurança (alimentar, trabalhista, do meio ambiente entre outras). Outro têm visto o fenômeno como falha na prevenção de conflitos e a assimetria cada vez mais estendida entre os estados. No entanto, como se enfrenta este assunto em nível mundial se se tem de fazer a diferença entre mantermos a defesa da pessoa humana ou não, porque a perspectiva humanitária e de proteção aos direitos humanos deve ser a primeira e mais substantiva sobre o apoio a políticas para abordar o cada vez maior fluxo migratório.
Que rápido temos esquecido que praticamente todos fomos ou temos antepassados imigrantes! Muitos o foram contra sua vontade durante o curso da história. Como podemos esquecer o poema de Darwich?
“Eu sou daqui e sou dali.
Não sou daque e nem dali.
Tenho dois nomes que se juntam e se separam.
Tenho dois idiomas.
E esqueço em qual deles sonho”
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Jaime Abedrapo é doutor em Direito Internacional e Relações Internacionais
Publicado originalmente em El Libero
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