Israel admite autoria do assassinato de Abu Akleh; mesmo assim, ninguém será punido.
Ocupação Israelense admitiu que a jornalista palestino-americana Shireen Abu Akleh “muito provavelmente” foi morta por seus militares. Ninguém será punido, no entanto. Esta tática de “autoria sem responsabilidade” é prática comum de Israel, ao trazer verniz democrático ao seu projeto de limpeza étnica da Palestina.
Em nota oficial, as Forças de Ocupação israelenses (FOI) admitiram hoje, 5 de setembro de 2022, que “muito provavelmente” Shireen Abu Akleh foi morta por tiros disparados por militares. As FOI, no entanto, não responsabilizarão ninguém pelo covarde assassinato da jornalista palestina que chocou o mundo. Isso porque autoria, para eles, é diferente de responsabilidade. Como essa dissociação é possível?
Devidamente uniformizada com os equipamentos que provavam sua condição de repórter, capacete e colete à prova de balas, Shireen trabalhava na cobertura de mais uma ofensiva israelense contra palestinos em Jenin. A correspondente da Al-Jazeera foi então deliberadamente executada enquanto trabalhava, em maio de 2022.
O caso ganhou grande repercussão em todo o mundo. Em primeiro lugar, como sempre, Israel acusou os palestinos de terem matado a jornalista. Grupos independentes de todo o planeta provaram que Israel mentia ao mundo; até mesmo o relatório dos EUA foi incapaz de culpar os palestinos, limitando-se a dizer que as evidências eram inconclusivas.
Tratou-se de um crime contra a liberdade de imprensa registrado em vídeo, com abundância de provas incontestáveis da responsabilidade israelense e grande comoção no mundo falante de árabe que acompanhava mais de perto o trabalho da repórter. Mas por que esse caso foi tão especial? Afinal, Israel mata palestinos todos os dias desde 1948.
O fato de que Abu Akleh era cidadã dos EUA complicou a normalização do assassinato dela. Quando nem mesmo os órgãos oficiais dos EUA conseguiram fornecer uma desculpa para os crimes de Israel, entrou em ação a estratégia de relações públicas do Apartheid sionista.
A estratégia consiste em admitir – quando não há mais alternativa – a autoria do assassinato. Ao mesmo tempo, a responsabilidade sobre o ocorrido é esvaziada através de lentas e graduais mudanças de discurso que distraem a atenção do público.
Primeiro, a culpa é dos palestinos; depois, Israel assume ter matado, com a condição de apontar a vítima como criminosa ou terrorista; depois inocenta a vítima, acusando outros palestinos de a terem usado como escudo humano; depois a vítima se torna dano colateral, relativizado por comparações com ações reais ou fictícias de outros grupos ou países. Enquanto isso, todos que cobrem alguma punição aos envolvidos são diariamente acusados de antissemitas e tudo o mais que for possível. Quando o assunto esfria na pauta pública, Israel discretamente isenta a si e aos seus assassinos uniformizados de quaisquer responsabilidades ao retratar o ocorrido como um lamentável acidente.
Shireen foi a vítima da vez; antes dela, as cinco crianças de Jabalyia foram assassinadas e difamadas por Israel sob a mesma tática.
Mortas enquanto visitavam o túmulo de um parente, 4 crianças da mesma família e um amigo, todos menores de idade, foram contabilizadas como “terroristas” que as FOI tinham abatido. De repente, o discurso virou para a mentirosa acusação de fogo amigo – um foguete palestino teria falhado e matado as agora sim crianças indefesas. Pouco tempo depois, foi provado que o foguete era israelense. Mas aí a apuração israelense conclui ter se tratado de um engano, um triste acidente de guerra pelo qual ninguém é responsabilizado.
Em ambos os casos, a declaração israelense vem quando (e porque) já não faz diferença. No primeiro momento, no calor da pauta, o mundo acreditou e reproduziu as mentiras de Israel – e isso basta. Israel calcula – e calcula corretamente – que a honra de suas vítimas e a reputação do povo palestino, quando em tempo de ser defendida, não vale 30 segundos na mídia ocidental. Pois, até lá, os cadáveres – e a pauta – já estarão frios.
A imediata difamação, acompanhada da demora na investigação, da mudança constante de versões oficiais, da polêmica em torno do trabalho de apuração de organizações mais ou menos independentes – tudo serve para atrasar e confundir a resolução do caso. Isso facilita a representação do genocídio perpetrado por Israel como uma série de eventos isolados, acidentais e complexos. A autoria é diluída entre indivíduos que apenas coincidentemente são membros das FOI. Os crimes tem autores, mas ninguém é culpado.
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