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Israel-Palestina: Que conflito é esse?

Por Sayid Marcos Tenório

No final de 2019 foi lançado pela Editora Anita Garibaldi e IBRASPAL o livro Palestina: do mito da terra prometida à terra da resistência, de minha autoria, um vasto trabalho de pesquisa com o objetivo de desmistificar o pertencimento da Palestina histórica aos atuais ocupantes sionistas israelenses. O trabalho demonstra que as questões históricas e políticas do conflito que já dura quase um século, não ocorre em decorrência de uma disputa político-religiosa travada entre judeus e palestinos - cristãos e muçulmanos. Mas que o conflito é parte de um contexto mundial que evoluiu a partir do surgimento do sionismo internacional, um movimento nacionalista judaico criado na Europa do século XIX, que passou a reivindicar a Palestina como território para o estabelecimento de um Estado Judeu, o Eretz Israel, ou o Estado judaico, uma aberração que se concretizou com a fundação de Israel em maio de 1948. 
Procurei transcrever tudo o que pude pesquisar, ouvir e ver presencialmente sobre a situação de apartheid em que vive o povo palestino, e posso afirmar com base nessas evidências que a causa palestina não guarda nenhuma relação com as percepções do senso comum e da opinião “publicada”, que visa à redução da sua dimensão de luta libertária a uma suposta “guerra religiosa”, justificativa utilizada para se referir ao esforço da resistência palestina para se livrar da opressão do Estado judaico. 
Para concretizar essa narrativa, todos os recursos de mídia, através dos canais de TV com seus noticiários e documentários, até a internet com suas redes sociais, são utilizados por Israel e seus aliados ocidentais para atingir seus objetivos de criar uma cortina de fumaça sobre a busca incessante de eliminar o povo a sua longa história, a cultura e a terra palestina para, em seu lugar, expandir o Estado judaico. O “lar nacional para os judeus” ou o Estado puramente judeu é uma estratégia da qual faz parte o apartheid racista e a limpeza étnica, iniciada em 1948, após a ONU dividir a Palestina secular em dois Estados e posteriormente permitir a criação de um “Estado” sem fronteiras, sem Constituição, sem governo e sem nação, que passou a se chamar Israel.
A ONU, além de dar os meios políticos e o aval internacional ao projeto colonial sionista, deu as condições para o surgimento desse monstro que passou a adotar toda sorte de violações, racismo e genocídio na Palestina e em toda a região do Oriente Médio. Os líderes israelenses não aceitaram e não respeitaram os termos da Resolução 181, que previa a criação do Estado palestino e deu status especial à cidade sagrada de Jerusalém. Ignoram as fronteiras delineadas no Plano de Partilha e não pararam de roubar terras, destruir aldeias, matar e expulsar pessoas para expandir o território do Estado judeu. Não aceitaram e não cumpriram os Acordos de Oslo e continuarão não aceitando nada, porque violar Tratados, Resoluções e Acordos faz parte da essência do sionismo e do Estado de Israel.
Com a fundação do Estado judeu, em 1948, as milícias sionistas desencaderaram uma ação de ocupação das terras e casas dos palestinos com a aniquiliação física e expulsão dos seus donos. Eles queriam as terras e casas palestinas, mas não queriam que os palestinos permanecessem nelas. Essa tragédia, conhecida como NAKBA em língua árabe, é equiparada a uma pandemia que não cessou em 1948, como não parou com o massacre perpetrado durante a chamada Guerra dos Seis Dias, a agressão terrorista das forças israelenses ocorrida entre 5 e 10 de junho de 1967, que ocupou a Faixa de Gaza, o Sinal (Egito) e as Colinas de Golã (Síria). 
A ocupação/pandemia continua até hoje, com os sionistas se apressando em executar o processo de judaização completa da Palestina. Esse processo se dá em todos os campos, como o militar, administrativo, legislativo (como a Lei do Estado-Nação aprovada pelo Knesset em 2018), demográfico, religioso, histórico e cultural. O objetivo final é a completa desenraização e destruição da Palestina, que adquire novos contornos com o anúncio por parte do presidente Donald Trump de um unilateral “Acordo do Século” - a Nakba do Século XXI, que beneficia exclusivamente os sionistas, visando reconhecer o Estado de Israel em todo o território da Palestina histórica, sem fronteiras definidas e em permanente expansão, tornando o que sobrar da Palestina em pequenas ilhas de terras como se fosse um mini Estado, pulverizado, cercado e sufocado pelo ocupante por todos os lados.
O que Israel tem feito ao longo dos últimos 72 anos é contrariar e violar o Direito Internacional ao adotar uma política militarista, expansionista e colonialista nos territórios palestinos e a ocupação de territórios nos países árabes vizinhos (Jordânia, Síria, Egito e Líbano). Uma ocupação que continua avançando e agora toma novos e preocupantes contornos, com o anúncio por parte do presidente Donald Trump de um tal “Acordo do Século”, unilateral e que beneficia exclusivamente os sionistas, que visa mais anexações e mais violações da integridade e dos direitos da Palestina como nação. 
De que adianta os palestinos aceitarem novos Acordos - como os ineficazes Acordos de Oslo, de 1993, que significou mais ocupação, se Israel simplesmente os ignora e não os cumpre? De que adiantam novas decisões de organismos internacionais, se elas são obstinada e ilegalmente ignoradas pelos sionistas? Israel age como se estivesse acima da lei e de toda a comunidade internacional, vivendo de acordo com a lei da força, onde o mais forte consegue o que quer e passa por cima dos mais fracos, impunemente.
Para o povo palestino, que luta há tantos séculos contra ocupações, não importa quanto tempo a ocupação permaneça em sua terra. Apesar de todo o aparato militar e apoio estadunidense que possuem os ocupantes, eles serão derrotados porque os palestinos estão com a verdade e a justiça. O direito a terra e ao retorno são direitos inalienáveis e os palestinos são persistentes em alcançar o direito de retornar e de estabelecer o seu Estado independente. 
O que resta fazer diante do desejo avassalador de um povo que não quer nada mais do que o respeito aos seus mais legítimos direitos? O que os palestinos esperam é que seus direitos sejam assegurados em concordância com a democracia, com o Direito Internacional e a justiça. Que seja respeitado o direito de regresso dos refugiados, a compensação e a permanência de todos na terra palestina. 
Essa determinação palestina por independência e liberdade, é a força avassaladora capaz de levar ao fim esse impasse histórico e político em que se encontra a Palestina ocupada. Essas conquistas virão pelo exercício da legítima e permanente resistência à ocupação por todos os meios, inclusive pelas armas, em total concordância com o Direito Internacional e as diversas Resoluções das Nações Unidas e Convenções internacionais que asseguram o direito dos oprimidos a se levantarem contra seus opressores. 
O apartheid israelense e o controle excessivo da vida dos palestinos por parte das forças militares israelenses, as colônias judaicas condomínios ilegais que se espalham como erva daninha nas terras palestinas, são a constatação da inviabilidade da solução de dois estados. 
Uma das melhores definições de para onde caminha a situação de impasse e onde essa torrente irá desaguar foi dada pelo escritor Ilan Pappé, um israelense odiado pelos sionistas. Ele escreveu que o único regime razoável parece ser um estado democrático e laico para os habitantes da Palestina. Se não se encontrar uma solução como esta, a tormenta nas fronteiras de Israel se acumulará com uma força ainda maior do que teve até agora. Por todos os lados no mundo árabe, os povos e os movimentos de resistência estão buscando formas de mudar os regimes arcaicos e as realidades políticas opressivas. “Certamente isto chegará também ao Estado de Israel; se não hoje, amanhã. Os israelenses podem ocupar o melhor camarote no Titanic, mas o navio continua afundando, de qualquer maneira”, segundo Ilan Pappé, no artigo A solução de dois Estados morreu faz uma década.
A questão que está posta é: por que os palestinos teriam que reconhecer o Estado de Israel no território da Palestina histórica, sem fronteiras definidas e em permanente expansão e aceitar pequenas ilhas de terra como se fosse um miniEstado pulverizado e cercado pelo ocupante, como propõe Donald Trump com o seu “Acordo do Século”? 
O mais incrível é ainda existem forças no campo da “esquerda” que advogam que a autodeterminação de israelenses e palestinos deve ser respeitada. Esse tipo de argumento da corrente que se autodenomina de sionistas de esquerda serve, na verdade, para mascarar uma espécie de anistia para os crimes dos sionistas e do Estado de Israel contra palestinos ao longo de um século. 
Aceitar um mini Estado pobre e desarmado, com a Cisjordânia e Gaza sem ligação territorial e cercados por um Israel rico e nuclear, servirá apenas para desmoralizar a memória dos lutadores palestinos, frustrar as esperanças das novas gerações e justificar a política e a narrativa mitológica do povo escolhido de Israel para expandir seu projeto colonial sionista de dominação mundial.
 
Sayid Marcos Tenório é historiador e Secretário-Geral do Instituto Brasil-Palestina (IBRASPAL). É autor do livro Palestina: do mito da terra prometida à terra da resistência.

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