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Jerusalém, a joia ocupada e ultrajada por Israel

Por Manoela Gouveia Carneiro

Hoje comemoramos mais um Dia de Jerusalém (Al-Quds, em língua árabe), cidade sagrada para as três grandes religiões monoteístas – judaísmo, cristianismo e islamismo. Infelizmente, porém, não há muito o que comemorar. Jerusalém – esta cidade tão importante e especial para tantas pessoas, tantas religiões, e tantas culturas, ainda não consegue viver em paz e segurança. Devido à sua posição estratégica e também à sua importância religiosa e cultural para diversos povos, Al-Quds teve uma história conturbada de guerras, conquistas e destruição. Era de se esperar que com o fim da Segunda Guerra Mundial e a criação das Nações Unidas, Jerusalém fosse incluída na Nova Ordem Mundial para governança global baseada na autodeterminação dos povos e na garantia da paz e da ordem. Essa esperança, porém, foi rápida e violentamente arrasada.
 
Em uma aberração jurídica, mais de 50% do território palestino foi tomado e entregue a estrangeiros através da Resolução 181/1947 da Assembleia Geral das Nações Unidas, sem que ao seu povo tivesse sido dado o direito de exercer a tão famigerada autodeterminação, que foi relegada a mero discurso sem eficácia. Apesar disso, esperava-se que cada novo Estado, um Árabe e um Judeu, fosse instituído, reconhecido dentro das fronteiras estabelecidas, e que se unissem à comunidade internacional, vivendo em paz uns com os outros. Esse, no entanto, jamais foi o plano dos sionistas que se apossaram de mais da metade da Palestina – estes tinham o intuito de tomar todo seu território e instituir nele um Estado de pureza étnica, onde os palestinos não teriam lugar.
 
A Resolução 181 de 1947, reconhecendo a importância da cidade e sua situação precária, definiu Jerusalém como um corpus separatum sob Regime Especial Internacional, a ser administrada pelas Nações Unidas. A Resolução 194 de 1948 decidiu por bem estabelecer o status especial como permanente, tendo em vista a escalada dos conflitos e a improbabilidade de paz e segurança dentro de suas fronteiras.
 
Quase imediatamente após a aprovação da partilha, os israelenses deram início a um processo por muitos considerado como de limpeza étnica, inclusive formando milícias e grupos terroristas judeus com o objetivo de matar, aleijar e expulsar os palestinos, ou amedrontá-los para que abandonassem suas terras “voluntariamente”, e Jerusalém não foi poupada do mesmo destino. A comunidade internacional assistiu, estarrecida, à violência do colonialismo israelense e de sua sanha anexadora. Palestinos foram expulsos de suas casas, suas propriedades foram confiscadas e entregues a colonos estrangeiros, e seus donos originais, proibidos de retornar. Muitos foram assassinados, presos compulsoriamente, punidos coletivamente, torturados, aleijados e expatriados. Imediatamente, as Nações Unidas iniciaram um processo de adoção de centenas de resoluções para tentar solucionar, sem sucesso, o problema que eles mesmos haviam criado, e sobre o qual haviam perdido totalmente o controle.
 
Em dezembro de 1948, a Assembleia Geral adotou nova resolução (nº194/48), criando uma Comissão de Conciliação da ONU, colocando Jerusalém permanentemente sob Regime Especial Internacional e garantindo o direito de retorno dos refugiados palestinos expulsos de suas casas que desejassem retornar, ou a compensação financeira para os que preferissem não o fazer. Ela foi confirmada por 18 resoluções conseguintes e é reiterada anualmente pela mesma assembleia.
 
Em maio de 1949, A Assembleia Geral da ONU aprovou a Resolução 273(III)/49, em que admitia Israel como Estado-membro das Nações Unidas, expressamente mencionando como razões para tal, dentre outras, a aceitação sem reservas, por parte daquele país, das obrigações contidas na Carta das Nações Unidas e a afirmação de seu compromisso com a implementação das Resoluções anteriores.
 
Em dezembro do mesmo ano, proferiu a Resolução nº 303(IV)/49, em que reiterava sua intenção de colocar Jerusalém sob Regime Especial Internacional de forma permanente e requeria que o Conselho Curador finalizasse o Estatuto da Cidade em sua próxima sessão, omitindo as novas cláusulas inaplicáveis. Ao final do mês, se viu forçada a proferir nova resolução de nº 114(5-2) /49, pedindo que Israel revogasse a transferência de alguns ministérios e departamentos para Jerusalém.
 
Em 1967, são aprovadas as resoluções nº 2253 e 2254, ambas exaradas durante
sessão especial, pedindo que Israel revogasse e desistisse das medidas que alterassem o status de Jerusalém e deplorando essas mesmas medidas, respectivamente. E a partir daí, a Assembleia Geral das Nações Unidas, o Conselho de Segurança e outros organismos internacionais como a UNESCO aprovaram centenas de novas resoluções reiterando as mesmas decisões ano após ano, e sendo completamente ignorados pelo Estado de Israel.
 
Elas demonstravam preocupação com a anexação de território e construção de assentamentos de colonos por meio da força – o que é proibido pelo Direito Internacional, que proíbe inclusive o reconhecimento dessa violação e o auxílio por parte dos demais Estados. Também se preocupavam com os direitos humanos dos palestinos dentro desses territórios ocupados e com o cumprimento, por parte de Israel, das normas de Direito Humanitário Internacional, que trata dos direitos e deveres em tempos de conflito armado. Outra preocupação recorrente da sociedade internacional como um todo é com o status de Jerusalém, sua geografia e demografia.
 
Desde sua criação como Estado, Israel tenta constantemente alterar o status de Jerusalém, expulsando árabes palestinos com vistas a alterar sua demografia para estabelecer uma cidade de pureza étnica. Também destruiu espaços pertencentes aos palestinos e iniciou a construção – ilegal – de um muro, isolando os territórios ocupados de Jerusalém e alterando a geografia da cidade sagrada. Chegaram a realizar escavações que ameaçavam a integridade de setores inteiros. Além disso, buscaram instituir Jerusalém como sua capital unificada, contrariando a comunidade internacional, suas leis e organizações, bem como compromissos próprios.
 
Nota-se que, apesar do imenso número de Resoluções contra o Estado de Israel e da quase unanimidade da comunidade internacional em relação a elas, que as resoluções se repetem. Elas têm conteúdo semelhante e muitas são meras reiterações de resoluções anteriores que foram descumpridas e ignoradas.
 
Nenhum Estado deveria ter a prerrogativa de se colocar acima da lei, dos costumes, e dos valores da comunidade internacional, desrespeitando-os impunemente. No entanto, para que alguma sanção seja adotada ou alguma intervenção militar, autorizada, é necessário obter a aprovação do Conselho de Segurança, o que tem se mostrado impossível por conta de aliados poderosos de Israel, como os EUA. Tendo poder de veto sobre decisões do Conselho de Segurança, eles asseguram que nenhuma medida seja tomada que possa coagir Israel a cumprir suas próprias resoluções bem como as da Assembleia Geral e de outras organizações. Esse poder de veto desnuda e evidencia a ausência de um sistema democrático e realmente multilateral dentro do sistema internacional e das Nações Unidas. Essa aberração acaba por permitir que Estados como o de Israel possam se colocar acima do sistema e do Direito Internacional.
 
Manoela Gouveia Carneiro é advogada e ativista pelos direitos humanos do povo palestino.

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