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Jerusalém, a joia que é estopim de uma guerra regional

Israel foi alertado que ataque a Jerusalém e à sagrada Mesquita de Al-Aqsa pode desencadear um novo conflito, desta vez com repercussões regionais.

Por Sayid Marcos Tenório

 

Jerusalém, ou Al-Quds em árabe, é uma das cidades mais antigas do mundo e sagrada para as três grandes religiões monoteístas - judaísmo, cristianismo e o Islam. Construída pelo jebuseus, um subgrupo cananeu, a mais de três milênios, no planalto entre o Mediterrâneo e o Mar Morto, Jerusalém foi inúmeras vezes sitiada, atacada e até mesmo destruída, em duas ocasiões.

Líderes das três religiões ocuparam alternadamente o governo Cidade Santa, uma vez ou outra. Os judeus dominaram a cidade por 72 anos, nos tempos bíblicos de Salomão e seu filho Davi. Os cristãos durante cerca de 400 anos entre os séculos IV e VII e, outra vez, no século XX, após o Acordo Sykes-Picot, que fez com que a Palestina, até então pertencente ao Império Otomano, passasse a ser administrada pelo Império Britânico por Mandato concedido pela Liga das Nações, de 1922 a 1948.

Os muçulmanos, árabes e turcos, governaram a cidade por doze séculos – de 638 a 1917 ininterruptamente – excetuando o período em que a cidade foi a capital do reino latino de Jerusalém, sob o governo do imperador romano Públio Aelius Adriano, de 73 a 138 d.C.

Jerusalém é a capital histórica e milenar da Palestina. Seu status religioso, histórico e civilizacional é fundamental a árabes, muçulmanos e cristãos e ao mundo em geral. Os lugares sagrados para muçulmanos e cristãos pertencem exclusivamente ao povo palestino. Dois dias após a aprovação da Resolução 303 da ONU, que deu o status internacional a Jerusalém, Israel declarou a cidade como sua capital e mudou a sede do governo para lá.

 

Defender Jerusalém da judaização como centro da luta palestina

Apesar dessa configuração histórica, Jerusalém não deixou de ser parte integral da Palestina. Seus vínculos são comprovadamente milenares. Judeus não dominaram Jerusalém por um tempo considerável. A insistência de Israel em tornar Jerusalém a “capital unificada” da ocupação sionista viola o Direito Internacional e diversas Resoluções da ONU sobre o tema. Como é possível que um punhado de colonizadores europeus invadam, saqueiem e matem os verdadeiros donos da terra, utilizando como justificativa o mito de um mandado divino?

O conflito em maio deste ano teve início quando forças da resistência se uniram em defesa de Jerusalém e da Mesquita de Al-Aqsa, lugar sagrado para mais de 2 bilhões de muçulmanos de todo o mundo, atacada por colonos judeus-sionistas de extrema-direita apoiados pelas forças militares da ocupação, que invadiram o bairro árabe de Sheikh Jarrah, praticando invasões, saques, incendiando terras agrícolas, violência física contra palestinos e apropriações ilegais de propriedades.

Ao desencadear a operação Saif Al-Quds (Espada de Jerusalém), a resistência palestina deu demonstração de que não há separação entre Jerusalém e Gaza. A reação veio através do disparo de foguetes e mísseis que atingiram Tel Aviv, o norte dos territórios atribuídos a Israel e várias bases militares israelenses, como a base aérea e Hatzerim, de onde partiam os aviões que bombardearam Gaza. Os ataques da resistência afetaram severamente a economia israelense, paralisando portos e aeroportos, derrubando o mercado de capitais e desvalorizando fortemente sua moeda.

O cessar fogo em 21 de maio evidenciou o fracasso da inteligência e da moderna tecnologia militar israelense, que não conseguiu prever nem evitar a surpreendente ofensiva das forças da resistência, que disparou mais de 4 mil mísseis contra os territórios ocupados, desmoralizando o sistema de defesa antiaérea Iron Dome (Cúpula de Ferro).

A situação vem mudando rapidamente e provocando o sentimento entre os israelenses de que suas Forças de Defesa foram incapazes de proteger seus soldados e os colonos, e que não houve vitória sobre o Hamas e as outras forças da resistência. Do lado dos palestinos, apesar da destruição e do número elevado de mortos, feridos e deslocados, o povo comemora os êxitos da resistência contra a ocupação, onde a defesa de Jerusalém torna-se a principal causa da luta nos próximos confrontos.

 

Ataque contra Jerusalém pode provocar guerra regional

Desde o cessar fogo mediado pelo Egito, as forças da resistência vêm alertando Israel de que não permitirão que a ocupação ataque alvos civis em Jerusalém e nem as constantes provocações dos colonos judeus de extrema-direita, que ensaiam a realização de uma “Marcha das Bandeiras”, com objetivo de ocupar a Esplanada das Mesquitas, o que pode desencadear um novo conflito, desta vez com repercussões regionais.

Em recente discurso pelo 21º aniversário do Dia da Resistência e da Libertação, o secretário-geral do Hezbollah libanês, Sayyed Hassan Nasrallah, declarou que "Se Israel atacar Jerusalém, enfrentará uma guerra regional”, agregando que qualquer reação de Israel no trato com o Líbano também provocará uma dura resposta do Hezbollah, onde as capacidades balísticas dos movimentos de resistência na região serão os pilares básicos da nova fórmula para transferir a batalha para dentro dos territórios atribuídos a Israel, como aconteceu durante o último confronto.

Líderes das principais forças da resistência palestinas fizeram duras declarações de alerta e ameaças a Israel, em caso de ataques contra Jerusalém. O líder do Birô Político do Hamas na Faixa de Gaza, Yahya Al-Sinvar, declarou que “A resistência pode destruir Tel Aviv com uma torrente de mísseis, no caso de uma nova guerra ser lançada pela ocupação israelense”. Na mesma linha, o líder da Jihad Islâmica, Khaled Al-Batsh, disse que “Devemos ter plena confiança no que dizem os líderes do eixo da resistência, sobre a grande batalha em caso de ataque a Jerusalém”.

É inegável o reforço proporcionado pela estratégia de integração das forças do eixo da resistência em apoio aos palestinos, que envolve o Irã, a Síria, o Hezbollah libanês, os Houthis do Iêmen, forças da resistência iraquiana e outras, que têm ofertado dinheiro, armas e tecnologia a resistência palestina. O Irã, por exemplo, tem ajudado muito na transferência de conhecimento e no transporte de foguetes e outros equipamentos, mas principalmente ajudando o Hamas a desenvolver suas capacidades locais de produção de armas avançadas.

Estes fatos evidenciam o fim do mito da invencibilidade das forças militares do estado judeu, onde dificilmente Israel vencerá novas batalhas contra palestinos em qualquer terreno, além das terríveis implicações na crise em seu tecido social que se agravam a cada dia em questões básicas, como a economia, a segurança e a relação entre o estado e a religião.

Os tempos que estão por vir não serão fáceis para a ocupação, pois o Movimento de Resistência Islâmico e as demais forças da resistência se expandem rapidamente pelos territórios palestinos de Gaza e Cisjordânia, bem como nos atribuídos a Israel depois de 1948, indicando mais vitórias contra o inimigo, que enfrenta um colapso e a incapacidade de compor a coalizão para governar Israel.

 

Sayid Marcos Tenório é historiador e especialista em Relações Internacionais. É vice-presidente do Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal) e autor do livro Palestina: do mito da terra prometida à terra da resistência (Anita Garibaldi/Ibraspal, 2019. 412 p). E-mail: sayid.tenorio@uol.com.br - Twitter: @HajjSayid

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