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O Brasil contra o direito internacional humanitário: por quê o governo Bolsonaro votou contra a condenação de Israel

O governo brasileiro deu mais uma demonstração evidente que será um aliado estratégico dos EUA e de Israel nas votações no interior da ONU

Por Marcelo Buzetto

 

                O governo brasileiro deu mais uma demonstração evidente que será um aliado estratégico dos EUA e de Israel nas votações no interior da ONU. Isso significa obstaculizar e criar todas as dificuldades possíveis para que um desses dois países sejam obrigados a cumprir com os princípios adotados pela própria Carta de fundação das Nações Unidas. Em verdade, o presidente eleito Jair Bolsonaro tem demonstrado uma atitude de alinhamento automático às posições do governo Trump em relação à política internacional. Alinhamento, em relações internacionais, significa submissão, subordinação, e o mundo viu isso quando da visita feita por Bolsonaro a Trump. O presidente brasileiro se comportou como uma criança de 6 anos que, em visita à Disneylândia, fica deslumbrada quando encontra com Mickey ou Pateta. EUA e Israel ganharam um aliado na ONU. O Brasil, esta semana, foi um exemplo de vergonha e irresponsabilidade na votação do relatório de uma Comissão de Investigação aprovada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre violações e uso excessivo de força por parte do governo israelense contra manifestantes palestinos desarmados durante a Grande Marcha pelo Retorno, realizada em Gaza, em 30 março de 2018 (Dia da Terra, para os palestinos), na fronteira com o território palestino ocupado pelo colonialismo em 1948 (conhecido também como “Estado de Israel”). Segundo o relatório, cerca de 189 palestinos foram assassinados e aproximadante 6 mil ficaram feridos, nas mobilizações pacíficas entre março e dezembro de 2018. A Comissão de Investigação foi aprovada por 29 votos a favor, 2 contra e várias abstenções, numa comissão com 47 membros. O dois países membros da comissão contrários à investigação foram EUA e Austrália.

            Nessa sexta-feira, 22 de março de 2019, o Brasil votou contra a condenação de Israel por “uso excessivo e desproporcional da força”, rompendo uma tradição histórica em votações sobre o tema. Votaram a favor do informe da Comissão de Investigação: Espanha, Afeganistão, Angola, Bahrein, Bangladesh, Burkina Faso, Chile, China, Cuba, Egito, Eritréia, Filipinas, Iraque, México, Nigéria, Paquistão, Perú, Qatar, Arabia Saudita, Senegal, Somália, África do Sul e Tunísia. Votaram contra: Brasil, Austrália, República Tcheca, Áustria, Bulgária, Hungria, Ucrânia e Fiji. Abstenções: Reino Unido, Dinamarca, Islândia, Itália, Índia, Japão, Argentina, Bahamas, Croácia, Congo, Nepal, Ruanda, Togo, Eslováquia e Uruguai.

            O Brasil também votou contra uma Resolução que condenava Israel por violações de direitos da população civil síria e palestina que vive nas Colinas de Golã, território sírio ocupado militarmente por Israel desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967. A posição brasileira segue a orientação de Donald Trump, que no início da semana deu declarações sobre o reconhecimento de Golã como parte de Israel. O grau de submissão do governo Jair Bolsonaro às posições dos EUA na política internacional é de causar espanto e indignação, pois é um fato inédito na história da diplomacia brasileira, que teve, é verdade, seus momentos de alinhamento automático, como foi durante o governo do General Eurico Gaspar Dutra, entre 1946 e 1950. Dutra empurrou o Brasil para a Guerra Fria, desencadeando uma campanha de propaganda política e ideológica a favor da “civilização cristã e ocidental”, reprimindo duramente as organizações progressistas e de esquerda, e realizando um governo entreguista e subordinado aos interesses estratégicos de Washington na América do Sul. Bolsonaro envengonha o Brasil, tomando decisões movidas por paixões pessoais e não pelos interesses nacionais. Uma conquista reconhecida da política externa brasileira recente, apesar de suas inúmeras contradições (ver casos do Haiti e do Saara Ocidental, por exemplo), foi a de manter um posicionamento soberano em muitos temas que envolviam as principais potências mundiais, em especial os EUA. A defesa de uma política externa independente, orientada pelos interesses nacionais, tem assegurado ao Brasil respeito e espaço para dialogar com várias forças políticas no cenário internacional, forças que estão em conflito ou que tem posicionamentos ideológicos bastante antagônicos. Bolsonaro e sua equipe de governo estão arrastando o Brasil para uma armadilha, gerando a mesma desconfiança que muitos líderes mundiais já manifestaram em relação ao decadente Donald Trump. Os EUA são uma potência imperialista em declínio, em decadência, em crise, e uma das demonstrações mais evidentes desse momento foi a própria eleição de uma figura despreparada para enfrentar os desafios atuais da complexa conjuntura internacional. Nesse sentido Bolsonaro e Trump tem alguma semelhança. São a expressão de nações que vivem uma profunda crise, em todos os sentidos, econômica, política e moral.

            O Brasil deve ter como referência, na Questão Palestina, pelo menos a Carta de fundação da ONU e as Resoluções aprovadas até aqui. A Carta das Nações Unidas diz, no Capítulo I: Princípios e Propósitos, Artigo 1, que “os propósitos das Nações Unidas são: 1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz”, e no Artigo 2, “3. Todos os membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacional, 4. Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas”. Quando Israel foi admitido na ONU se comprometeu a aceitar seus princípios e cumprir suas Resoluções. Israel sempre atentou contra qualquer resolução política, pacífica e diplomática das controvérsias, tem violado sistematicamente os direitos nacionais e a soberania territorial da Palestina, ataca indiscriminadamente esse povo, bombardeia hospitais e escolas, causa intensa dor e sofrimento à população civil, e a ONU até agora só faz boas Resoluções. E o Brasil agora vai se aliar àquela minoria de países que não querem nem mesmo essa ação limitada e sem grande efetividade, mas com algum valor simbólico. Se a ONU tivesse coragem e coerência já teria expulsado Israel de suas fileiras. A maior violência cometida até agora no conflito Palestina-Israel é o contínuo desrespeito da Entidade Sionista (Israel) para com a ONU e suas Resoluções. Um Estado nascido de uma ilegalidade, cujo pecado original foi se apropriar ilegalmente de terras pertencentes ao povo originário da região (palestinos), não pode ficar impune diante de tantas violações de direitos humanos e do direito internacional humanitário. É uma afronta ao bom senso e aos princípios mais elementares do direito internacional as posições reiteradas dos sucessivos governos israelenses em relação ao povo palestino. Genocídio, apartheid e limpeza étnica: essas são as palavras que sintetizam as ações israelenses em Gaza e no resto da palestina ocupada, desde 15 de maio de 1948. Passou da hora da ONU agir, e da Autoridade Palestina deixar de lado as ilusões que depositou numa aproximação equivocada com os EUA, que teve como resultado os fracassados Acordos de Oslo, que só beneficiaram Israel, potência colonial que não libertou os prisioneiros políticos, não cumpriu a Resolução 194 (Direito de Retorno dos Refugiados) e não se retirou de Jerusalém (ocupada desde 1967), Capital do Estado da Palestina, conforme exigência de inúmeras Resoluções da ONU.

            A parcela mais consciente do povo brasileiro precisa impedir a desastrosa “política externa” do atual governo de realizar seus objetivos, pois o Brasil corre sério risco de isolamento no cenário internacional, o que prejudicaria, com certeza, qualquer projeto nacional de desenvolvimento inspirado na justiça social e na soberania nacional. É impressionante, também, o silêncio e a cumplicidade de parte da oficialidade das Forças Armadas, pois a “política externa” bolsonarista é a destruição de qualquer posição autônoma, independente e soberana do Brasil nas relações internacionais. Além da ONU, o governo bolsonarista deveria levar em consideração os relatórios do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, uma das entidades reconhecida como aplicadora e fiscalizadora do Direito Internacional Humanitário, pois a mesma já definiu como “crimes de guerra”, “crimes contra a humanidade”, “violação das Convenções de Genebra”, as atitudes dos militares israelenses durante suas operações.

            Esse período de alinhamento e submissão do Brasil aos EUA e Israel será passageiro, e o atual governo, com suas decisões equivocadas, só está construindo a sua própria destruição. Apostamos na revisão dessa posição equivocada do Brasil na ONU, e veremos, nos próximos anos, nossa política externa defendendo a paz, a justiça e a autodeterminação dos povos, pois entre nós, brasileiros, não serão bem vistos os que querem colocar a nação de joelhos diante dos interesses do imperialismo estadunidense e dos sionistas israelenses. Logo se fará justiça à Palestina, e figuras como Trump e Bolsonaro estarão na lata de lixo da história.

Marcelo Buzetto é membro do Conselho Acadêmico do IBRASPAL, coordenador da Campanha Global pelo Retorno a Palestina, professor de Geopolítica do Mundo Contemporâneo no Centro Universitário Fundação Santo André, professor de Sociologia no Instituto Federal São Paulo – São Roque, membro do Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais (NEILS-PUC/SP) e Pós-Doutorando em Ciências Sociais UNESP – Marília.

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