O MST e a causa palestina: uma homenagem em comemoração ao Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino
No Brasil cresce a solidariedade ao povo palestino, apesar do avanço dos acordos Brasil-Israel
Por Marcelo Buzeto*
No dia 29 de novembro será comemorado o Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino, aprovado na ONU como uma data para lembrar e apoiar a justa luta desse povo por terra, território, soberania, independência nacional e autodeterminação, todos princípios presentes na carta de fundação dessa entidade. Em 29 de novembro de 1947 a ONU foi artíficie e cúmplice de uma ilegalidade de graves consequências. Foi a data em que o chanceler brasileiro Osvaldo Aranha coordenou a votação do chamado Plano de Partilha da Palestina. A Palestina esteve sob o domínio colonial do Império Turco-Otomano até 1918. Depois sob o domínio colonial britânico até 14 de maio de 1948. O povo palestino sempre lutou por um Estado independente, por uma república democrática, onde todos os cidadãos, independente de sua religião ou opinião política, pudessem ter direitos iguais, numa nação cujas fronteiras começam no Mar Mediterrâneo e terminam no Rio Jordão. A ONU nasceu comentendo um ato ilegal contra o povo palestino, que exige até hoje reparação pela situação de conflito criada. A origem do conflito atual pode ser resumida em alguns fatos históricos: 1. Surgimento e expansão do movimento sionista, um movimento nacionalista judaico colonialista, conservador, antidemocrático e racista (quer a expulsão dos árabes da palestina), que iniciou a ocupação das terras Palestinas entre 1897/1947, criando organizações terroristas que atacavam a população civil palestina, como o Haganah, o Irgun, o Stern, entre outras. O terrorismo sionista foi esquecido pela ONU, e os líderes sionistas responsáveis por massascres de civis viraram membros dos sucessivos governos do chamado “Estado de Israel”. Nunca ONU puniu esses criminosos; 2. O colonialismo britânico na Palestina, que deu apoio e facilitou a colonização de terras palestinas pelos sionistas, aprovando inclusive a ideia sionista de construção de um “lar nacional para os judeis na Palestina”, conforme diz a Declaração Balfour, emitida pelo governo colonial britânico em 02 de dezembro de 1917; 3. O Plano de Partilha da Palestina, em 29/11/47. A ONU não tinha soberania sobre a Palestina. Até mesmo o colonialismo britânico e a Liga das Nações reconheciam que o Mandato Britânico na Palestina não pretendia ter controle ou soberania sobre esse território. Diziam, com o racismo típico da burguesia imperialista, que estavam lá só para levar a “civilizção, a cultura e o desenvolvimento para esses povos atrasados”. A maioria da população palestina era contra a solução de dois Estados, um árabe e um judeu. Existiam palestinos judeus, palestinos cristãos e palestinos muçulmanos (a maioria dos habitantes), além de algumas minorias religiosas. E existiam os judeus sionistas. Não confundir judaísmo com sionismo. Nem todo judeu é sionista, nem todo judeu é favorável à política de genocídio, limpeza étnica e apartheid aplicada contra os palestinos. Os sionistas eram minoria na Palestina, mas a ONU, sob a pressão dos EUA e a vergonhosa cumplicidade da URSS, decidiu dividir a Palestina, sem nenhuma consulta ou referendo popular, ou seja, o povo nativo, que detinha a soberania daquele território, que lutou contra Otomanos e britânicos pela independência, agora via o seu território ser entregue de bandeja pela ONU ao movimento colonialista chamado sionismo; 4. A criação, através de um golpe de Estado sionista, do “Estado de Israel”, entre 14 e 15 de maio de 1948. Os grupos terroristas sionistas se uniram e criaram as Forças de Defesa de Israel, e começaram a repressão que continua até os dias de hoje. Entre maio e dezembro de 1948 800 mil palestinos foram expulsos de suas casas e terras. Milhares foram assassinados, milhares de casas foram demolidas; 5. A aceitação, pela ONU, do chamado “Estado de Israel”, mesmo este não cumprindo as exigências estabelecidas pela carta de fundação da entidade, que diz explicitamente que só podem fazem parte nações comprometidas com a paz, com a soberania nacional e a autodetrminação. A ONU ignorou a “Nakba” (“Catástrofe”), a destruição de vilas e cidades árabes e o assassinato de civis, bem como a expulsão dos palestinos de suas terras, gerando assim a questão dos refugiados. Em 11 de maio de 1948 Israel foi aceito como membro da ONU, quando já controlava 78% da Palestina, descumprindo a própria Resolução 181 (Plano de Partilha - 29/11/47), que concedia 56% do território para o “Estado Judeu” (ver Buzetto, Marcelo, A Questão Palestina: guerra, política e relações internacionais, Editora Expressão Popular).
O MST e a luta dos camponeses e camponesas na Palestina
A luta palestina é por terra,por uma pátria livre e por transformações sociais, por isso existe uma profunda identidade do MST com esse heróico movimento nacional de libertação. Em 2002 uma delegação da Via Campesina esteve em Ramallah, em solidariedade a Yasser Arafat e outras lideranças sitiadas pelo exército israelense. Durante 22 dias Israel atacou a sede da Autoridade Palestina, cortou a água e luz, e proibiu a entrada de comida. Atiravam contra o prédio da Mukata, onde estavam membros da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e bombardeavam os prédios e casas da vizinhança. Essa ofensiva militar israelense foi contra várias cidades palestinas. Em Belém, o exército israelense bombardeou a Igreja da Natividade, patrimônio histórico-cultural da humanidade e local onde está a manjedoura onde teria nascido Jesus. Entre 2002 e 2010 o MST intensifica suas relações com movimentos populares na Palestina ocupada. Enviou militantes para o Fórum Social Mundial na Palestina e estreitou contato com movimentos de mulheres, de camponeses, por direitos humanos, etc. Entre 2010 e 2011 o MST chega a Palestina com a decisão de ajudar a construir o processo de filiação da União dos Comitês de Trabalho Agrícola (UAWC) à Via Campesina. A UAWC participava desde 2004 de atividades da Via Campesina, adotava o seu programa, fazia campanhas contra a utilização de sementes transgênicas, e sempre procurou ampliar suas relações com movimentos de camponeses e trabalhadores em todo o mundo. Estivemos nesse período na Palestina, e tivemos condições de acompanhar todo esse processo de integração da UAWC na Via Campesina, fato ocorrido em 2013, na IV Conferência Internacional da Via Campesina, em Jacarta, Indonésia. Entre 2010 e 2013 o MST e a Via Campesina emitiram comunicados defendendo o “direito do povo palestino de lutar por todas as suas terras, sejam as ocupadas em 1948, em 1967 ou mesmo depois dos Acordos de Oslo (1993/1994)”. O MST reconhece o direito do povo palestino de lutar pelo estabelicimento do Estado Independente na Palestina histórica, do Mar Mediterrâneo ao Rio Jordão, onde todos os cidadãos vivam em paz e com direitos iguais, sejam judeus, cristãos, muçulmanos, drusos, ateus, etc. A Palestina sempre teve importância estratégica para as potências. É rota comercial e marítima desde a Antiguidade. Terra de origem do judaísmo, cristianismo, islamismo. Durante o processo de construção da filiação da UAWC à Via Campesina realizamos, em Porto Alegre/RS, o Fórum Social Mundial Palestina Livre, em 2012. A marcha de abertura foi no dia 29 de novembro, dia em que a ONU reconheceu a Palestina como Estado de número 194 (coincindentemente o número da Resolução da ONU que garante o direito de retorno dos refugiados palestinos). Presentes no Fórum UAWC, União dos Comitês de Mulheres Palestinas (UPWC), ADDAMEER (Associação de Direitos Humanos e Apoio aos Prisioneiros), entre outras organizações palestinas. Também entre 2010 e 2014 o MST ajudou na construção de Comitês de Solidariedade ao Povo Palestino e outros espaços de unidade para denunciar a violência praticada pelo colonialismo israelense. Nos últimos anos o MST de campanhas pela libertação dos prisioneiros políticos, pela liberdade de Ahmad Sa´adat, Marwan Barghouti, Khalida Jarrar, Khitan Saafin, Georges Ibrahim Abdallah, Ahed Tammini. Além disso, desde 2011 o MST organiza a Brigada de Solidariedade Ghassan Kanafani, que reune militantes da Via Campesina e outros movimentos para o trabalho voluntário na colheita de azeitonas em vilas da Cisjordânia.
No Brasil cresce a solidariedade ao povo palestino, apesar do avanço dos acordos Brasil-Israel
Várias iniciativas vem se desenvolvendo no Brasil. São muitas as organizações que hoje realizam debates, cursos, atos, seminarios, encontros, atividades culturais, manifestações contra a política de genocídio, limpeza étnica e apartheid de Israel. Também aumentou o número de militantes brasileiros visitando a Palestina. Este ano até um candidato a presidente da República visitou a Palestina, em sua primeira viagem internacional como tal. Foi Guilherme Boulos, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Foi duramente criticado por grupos sionistas do Brasil. Entre 2012 e 2018 vivemos um período de ofensiva econômica-comercial, política-diplomática e ideológica do sionismo no Brasil. Nesse período o Estado de Israel ocupou considerável espaço na economia brasiliera, em especial na indústria de defesa, sendo responsável pelo atual processo de desnacionalização crescente vivida por este setor. Os sucessivos governos tem agraciado Israel com acordos em diferentes áreas. O Brasil trouxe Israel mais próximo da América do Sul, com o Tratado de Livre-Comércio Mercosul-Israel, em 2007, e com o Acordo de Livre-Comércio Mercosul-Israel, em vigor desde abril de 2010. Em 2014, como parte do programa de modernização, a Força Aérea Brasileira (FAB) adquiriu o Veículo Aéreo Não-Tripulado (VANT) Hermes 900, da israelense Elbit Systems. No mesmo ano teve início um contrato que - vigora até hoje – com a empresa Elbit Systems para a modernização dos radares e mísseis da Marinha Brasileira. A International Security & Defense Systems (ISDS), israelense, tem atuado na área de segurança em parcerias com governo federal e governos estaduais. Aproveitou-se de eventos como Olímpiadas e Copa do Mundo. Em 2014 foi inaugurado em São Paulo o Templo de Salomão, pela Igreja Universal do Reino de Deus, com presença da presidenta Dilma, do governador Geraldo Alckmin, do prefeito Fernando Haddad, do vice-presidente Michel Temer e demais autoridades. Tornou-se um símbolo do fortalecimento do “sionismo cristão”, movimento conservador que avança no interior de muitas igrejas brasileiras. A abertura do evento contou com representantes do governo de Israel, e a primeira música a tocar foi o Hino de Israel. A ofensiva sionista no Brasil não escolhe partidos ou governos, mas tem, é claro, suas preferências, os partidos de centro e de direita. Israel e seus representantes aqui no Brasil já seduziram parlamentares e lideranças até mesmo do PT e do PSOL, gerando muita polêmcia no interior dessas organizações. Apesar dessa ofensiva o Brasil ainda é um território onde a luta em defesa do povo palestino encontra muita solidariedade, basta ver as atividades da campanha Boicote, Desinvestimentos e Sansões (BDS) contra Israel, a Campanha Global pelo Retorno a Palestina (que desde 2013 coloca em pauta o cumprimento da Resolução 194, pelo direito de retorno dos refugiados) e a criação do Instituto Brasil-Palestina (IBRASPAL), sempre denunciando as crescentes e constantes violações dos direitos humanos do povo palestino por parte do colonialismo israelense. É inegável que, mesmo com o avanço econômico, político e ideológico do sionismo e do lobby pró-Israel, durante os governos Lula e Dilma existiram condições mais favoráveis para desenvolver ações de solidariedade brasileira à causa palestina, pois dentro desses governos existiam pessoasque eram solidárias não só ao povo palestino mas à diferentes lutas por justiça social e soberania nacional em distintas partes do planeta. Essa solidariedade brasileira ao movimento nacional de libertação na Palestina não vai acabar, mas precisa se reorganizar para continuar a batalha em outras condições, marcada pela eleição do representante maior do sionismo na política nacional, Jair Bolsonaro. As ameaças de fechamento da Embaixada da Palestina em Brasília, de transferência da Embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém e os novos acordos comerciais e militares com Israel devem ser motivo de denúncia e de mobilização contra o colonialismo e seua aliados. Já se fala em compra de Drones israelenses para assassinar a juventude pobre da periferia do Rio de Janeiro, num momento em que Israel está autorizando os atiradores de elite de seu covarde exército de atirar contra palestinos que ousem jogar uma pedra contra um soldado invasor de sua pátria. Neste 29 de novembro, continuaremos esta caminhada em defesa da paz com justiça social e soberania nacional. Palestina será livre, é só uma questão de tempo. O colonialismo israelense será derrotado, pois é impossível subjulgar e oprimir um povo para toda a vida. A Palestina é, hoje, o nosso Vietnã, e de lá retiramos a energia necessária para levar a justiça a todos os rincões de nosso planeta. A luta do povo palestino nos alimenta com a ousadia e a resistência de quem nunca teve medo de defender sua pátria, sua terra e seus princípios e valores.
*MARCELO BUZETTO: militante do MST, coordenador da Campanha Global pelo Retorno a Palestina, membro da Comissão Acadêmica do Instituto Brasil-Palestina (IBRASPAL), autor do livro “A Questão Palestina: guerra, política e relações internacionais”, Editora Expressão Popular), mestre e doutor em Ciências Sociais PUC/SP, Pós-doutorando em Ciências Sociais UNESP Marília, professor de Geopolítica do Mundo Contemporâneo no curso de Relaações Internacionais do Centro Universitário Fundação Santo André, professor de Sociologia no Instituto Federal São Paulo – Campus São Roque.
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