Quinta Feira, 28 Março 2024

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Os muçulmanos e a questão palestina

Por Sayid Marcos Tenório

[Palestina] Terra das revelações divinas para humanidade, a Palestina é o país natal do povo árabe palestino. Ali ele cresceu se desenvolveu e se expandiu. Sua existência humana e nacional afirmou-se ali numa relação orgânica ininterrupta e inalterada entre o povo, sua terra e sua história.
 
Abertura da Declaração de Independência do Estado da Palestina com Jerusalém como Capital, escrita pelo poeta palestino Mahmoud Darwish e proclamada em Argel, Argélia, por Yasser Arafat, líder da OLP, em 15 de novembro de 1988.
 
A Palestina é parte de um contexto mundial que evoluiu a partir do surgimento do sionismo internacional, um movimento nacionalista judaico fundado na Europa no século XIX, que pregava o estabelecimento de um “lar nacional para os judeus”, que seria concretizado através da criação na terra Palestina de um Estado puramente judeu, não só em sua estrutura sociopolítica, mas também em composição étnica, de cuja estratégia faz parte o atual estágio de apartheid racista e limpeza étnica. 
 
O projeto colonialista ganhou impulso quando a ONU promoveu a partilha da Palestina em 1947, por meio de um ato injusto e ilegal, porque as Nações Unidas não consultaram a população originária, e porque não tinham qualquer jurisdição ou poder sobre aquele território. A ONU, além de dar um aval internacional ao projeto colonial sionista - um movimento racista que surgiu oficialmente em 29 em agosto de 1897 no I Congresso Sionista, realizado na cidade suíça de Basel (Basiléia), com a presença de 208 delegados judeus de 17 países e nenhum deles com qualquer ligação com a Palestina -, também lhe forneceu os meios políticos para sua realização, embora depois tenha tentado amenizar as trágicas consequências da Partilha através programas paliativos desenvolvidos através de suas agências.
 
Palestina está arraigada no coração da Ummah (Nação) Islâmica e desfruta de um status especial. Dentro da Palestina existe Jerusalém, cujo preceito é abençoado por Deus. Palestina é a Terra Santa, na qual Deus abençoou a humanidade. É sua primeira Qiblah (direção para onde os muçulmanos dirigem suas orações) e o destino da jornada performada a noite pelo Profeta Muhammad e de onde ele subiu aos céus para encontrar o Criador. Ela é o lugar de nascimento do Profeta Jesus Cristo. Seu solo estão os restos mortais de milhares de profetas, companheiros e lutadores por justiça. Ela é a terra do povo que está determinado a defender a verdade – dentro de Jerusalém e suas redondezas – que não é desterrado ou se intimida por aqueles que se opõem a ele e por aqueles que os traem, e ele continuará sua missão até que a promessa de Deus se cumpra.
 
Em virtude deste caminho justamente equilibrado e espírito moderado, o Islam oferece um caminho compreensivo de vida e a fim de que ele sirva para propósito o tempo todo e em todos os lugares. O Islam é uma religião de paz e tolerância. Ele oferece garantia para os seguidores de outros credos e religiões, que possam praticar suas crenças em segurança. Para o Islam, a Palestina tem sido e será sempre um modelo de coexistência, tolerância e inovação civilizacional.
 
A mensagem do Islam carrega os valores da verdade, justiça, liberdade e dignidade e proíbe todas as formas de injustiça e incrimina opressores independentemente de sua religião, ração, gênero ou nacionalidade. O Islam é contra todas as formas de extremismo e intolerância religiosa, étnica ou sectária. É uma religião que incute em seus seguidores o valor de se levantar contra agressão e de apoiar o oprimido; ele motiva-os a dar generosamente e fazer sacrifícios em defesa de sua dignidade, sua terra, seu povo e seus lugares sagrados, sentido de lutas que se resumem na palavra jihad.
 
A Palestina é o território que se estende do Rio Jordão, no Oriente, ao Mediterrâneo, no Ocidente; e de Ras Al-Naqurah, no Norte; a Umm Al-Rashrash, no Sul, compondo uma unidade territorial integral. Esta é a terra e o lar do povo palestino. A expulsão e o banimento do povo palestino de sua terra e o estabelecimento da entidade sionista em seu lugar não anula o direito do povo palestino sobre sua inteira terra e não assegura nenhum direito nela pela usurpadora entidade sionista. A Palestina é uma terra árabe islâmica. Ela é uma Terra Sagrada e abençoada que tem lugar especial no coração de todo árabe e de todo muçulmano.
 
Os muçulmanos, palestinos ou não palestinos, rejeitam o viés religioso ou sectário da luta contra a ocupação, condena qualquer forma de perseguição a qualquer ser humano ou a negação dos seus direitos. O problema judaico, o antissemitismo e a perseguição de judeus é um fenômeno fundamentalmente ligado à história europeia, não à história dos árabes e muçulmanos onde quer que estejam. O movimento sionista, que foi capaz de ocupar a Palestina com apoio das potências do Ocidente, é a maior ameaça de ocupação por assentamentos que já desapareceu de grande parte do mundo e precisa desaparecer da Palestina.
 
O lobby a favor de Israel em todo o mundo é muito poderoso. Compra a lealdade de políticos, governos e bancadas nas casas legislativas de vários países, a exemplo da chamada bancada evangélica na Câmara dos Deputados do Brasil, que é um ativo lobby em favor das políticas de Israel contra palestinos. Além do apoio de bancadas no Congresso Nacional, eles instrumentalizam igrejas evangélicas e põem-nas para trabalhar em seu favor, baseados na lenda de que o estabelecimento do Estado de Israel em 1948 está de acordo com a profecia bíblica do retorno dos judeus à Terra Prometida. 
 
Esquecem esses sionistas cristãos pentecostais e neopentecostais (movimento de renovação do cristianismo, através da prática da teologia da prosperidade) que as tribos de Israel mencionadas no Velho Testamento não guardam nenhuma relação com os judeus sionistas que ocuparam a Palestina. Governos e políticos que não se curvam aos seus interesses são intimidados e ameaçados.
 
Apesar de todo esse aparato, movido ao custo de muitos milhões de dólares e promessas de negócios e vantagens, a vida dos ocupantes não tem sido fácil. A imagem do regime sionista na opinião pública mundial encontra-se pior a cada dia. E isso se deve, em grande medida, ao Movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções – o BDS – contra as empresas e negócios dos ocupantes e aos esforços da resistência palestina em todo o mundo.
 
As acusações de antissemitismo são falsos argumentos utilizados pelos sionistas judeus e cristãos, muito convenientes e úteis que os apologistas de Israel geralmente usam quando estão sem argumentos. Eles usam esse tipo de acusação para intimidar os críticos de Israel ou para esterilizar a discussão e desviar a atenção dos problemas reais. 
 
O flagelo do antissemitismo é uma forma repugnante de racismo que discrimina todos os judeus semelhante a outras formas de racismo dirigidas a outros seres humanos decentes, sejam eles muçulmanos, cristãos ou de outras religiões, e por isso mesmo devem ser confrontados e eliminados. Há uma clara distinção entre o antissemitismo, por um lado, e críticas legítimas às políticas degradantes e opressivas de Israel contra o povo palestino. Não temos nada contra os judeus por quem eles são. Nós não somos contra os judeus como religião ou etnia.
 
Se foi possível derrotar o apartheid racista na África do Sul, por que não poderá ser possível na Palestina? É dever de todas as pessoas que amam a justiça e os legítimos direitos apoiar a Intifada (palavra árabe que significa literalmente “revolta”) e a Resistência Palestina, onde quer que estejam, em qualquer parte do mundo. A libertação da Palestina é a causa mais urgente da humanidade. 
 
E não podemos esquecer dos nossos irmãos de Gaza. Aqueles palestinos/as que há anos estão pagando um elevado preço por manterem ativa e altiva a inquebrantável Resistência contra o inimigo usurpador. Os palestinos de Gaza que sofrem, inclusive, pelas reiteradas políticas subservientes de outros palestinos.
 
Para um povo que luta há tantos séculos contra ocupações, não importa quanto tempo a ocupação permaneça em sua terra. Apesar de todo o aparato militar e apoio estadunidense que possuem os ocupantes, eles serão derrotados porque os palestinos estão com a justiça. O direito a terra e ao retorno são direitos inalienáveis e os palestinos são persistentes em alcançar o inalienável direito de retornar e de estabelecer o seu Estado independente.
 
O que resta fazer diante do desejo avassalador de um povo que não quer nada mais do que o respeito aos seus legítimos direitos? O que os palestinos esperam é que seus direitos sejam assegurados em concordância com a democracia, o Direito Internacional e a Justiça. Que seja respeitado o direito de regresso dos refugiados, a compensação e a permanência de todos na terra palestina. 
 
Essas foram opiniões que angariei nas minhas consultas com os palestinos de diversas correntes de opinião sobre que soluções devem ser alcançadas para que esse impasse histórico e político em que se encontra a Palestina Ocupada seja resolvido. As conquistas virão pelo exercício da legítima e permanente resistência à ocupação, inclusive pelas armas, em total concordância com o Direito Internacional e a Carta das Nações Unidas e as Convenções internacionais.
 
 
Sayid Marcos Tenório é historiador e Secretário-Geral do Instituto Brasil-Palestina (IBRASPAL). É autor do livro Palestina: do mito da terra prometida à terra da resistência (Anita Garibaldo/Ibrasl, 2019).

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