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Palestina: uma terra esquecida, quando resistir é existir

Por Prof. Dr. Francirosy Campos Barbosa

Os últimos dias foram marcados por mais violência em terra Palestina, uma terra esquecida, adoecida pela violência, mas que segue resistindo, porque esta é sua única forma de existir. Palestinos são armados de coragem e fé. O conflito que se prolonga por mais de 70 anos não mobiliza a comunidade internacional de forma a dar fim ao sofrimento de um povo, de uma situação de limpeza étnica.

 

Entende-se por limpeza étnica a erradicação por todos os meios disponíveis, da história da região como apontaram Pappé (2016) e Soraya Misleh (2017). A ONU por sua vez, segundo esses autores, define limpeza étnica como: “tornar uma área etnicamente homogênea pelo uso da força ou intimidação para remover pessoas de determinados grupos”. O que assistimos cotidianamente na Palestina são assassinatos, tortura, estupros, violações de direitos humanos, por parte de um estado sionista e violento que se tornou o Estado de Israel frente às demandas palestinas.


O presidente do Ibraspal (Instituto Brasil Palestina) Dr Ahmed Shehada em apresentação à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados em Brasília em outubro de 2019 comunicou que o Ministério da Saúde Palestino divulgou nota em sete de setembro no qual se confirma que os números estimados de mártires, neste ano, foram de 312, incluindo 12 mulheres (3,8%) e 61 crianças (19,6%) do número total de mártires. O número de mártires no grupo de 18-39 anos (234) foi de 75% do número total de mártires.

 

Para compreender o significado de mártir dentro da cosmologia islâmica Patrícia Prado (2018) nos apresenta algumas definições, entre elas, que o shahid al watan e/ou shahid al qadiyya (o mártir do estado nação/ o mártir de uma causa). Esses muçulmanos mortos, ou aqueles que resistem e continuam na luta são os mártires da causa que só Deus pode recompensá-los e saber de suas intenções por justiça. Prado traz de sua pesquisa de campo uma expressão muito utilizada por seus interlocutores muçulmanos: "muitos querem ser shahid (mártir), mas Deus é quem escolhe"


“[...] não suponhas que os que foram mortos no caminho de Allah estejam mortos; ao contrário, estão vivos, junto de seu Senhor, e por Ele sustentados.” (SURATA ALʿIMRAN 3:169)

 

Temos ainda, que os dados do Ministério da Saúde apresentam que o número total de lesões durante as Marchas de Retorno e a quebra do cerco foi de cerca de 34.282, e o número de lesões tratadas nos hospitais da Faixa de Gaza foram de 18.642, que representaram 54,4% total, incluindo (1.222), mulheres (6,6%) e o restante dos feridos receberam atendimento médico nos pontos médicos do campo e centros de atenção primária espalhados nos pontos de encontro das Marchas de Retorno e a quebra de cerco.

 

Sayid Marcos Tenório (2019) em seu livro recentemente publicado coloca que a Marcha pelo Direito ao Retorno foi uma campanha organizada pelo Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) perto da fronteira de Gaza e Israel que teve início em 30 de março de 2018. É possível constatar que a Marcha intensificou a violência contra os palestinos, conforme os dados do Ministério da Saúde aqui apresentados.


Dr Shehada nos apresenta em sua comunicação que o número de prisioneiros nas prisões israelenses é aproximadamente 6000 incluindo 550 prisioneiros palestinos condenados à prisão perpetua. Existem 46 prisioneiras políticas mulheres e aproximadamente 340 crianças em prisões israelenses, além de prisioneiros com doenças crônicas aproximadamente 1.500 prisioneiros. Desses, 200 precisam de intervenções médicas urgentes por médicos especializados e procedimentos cirúrgicos, 33 prisioneiros com câncer em vários estágios.


A situação é ainda mais drástica quando nos deparamos com a análise produzida por Jasbir Puar (2017) que focaliza nas biopolíticas da deficiência e da debilitação levadas a cabo na “ocupação colonial” israelense da Palestina. Fica claro em seu texto que o Estado de Israel utiliza-se de táticas e estratégias políticas e militares para a manutenção da população Palestina em constante vulnerabilidade provocada pela violência perpetrada. Anahi Guedes (maio/2018) citando Puar, nos chama atenção, para o fato de que o conflito em Gaza opera um cripwashing, por parte do governo israelense, nas suas estratégias militares de atirar para aleijar palestinos, formas torpes de Israel para disfarçar a sua quebra constante, quando se trata de direitos humanos. Segundo levantamento de Dr. Shehada o uso de armas internacionalmente proibidas, como balas explosivas, causou deficiências físicas permanentes de 158 pessoas que haviam sido amputadas em seus membros, incluindo 124 casos de amputação de seus membros inferiores, 24 amputações de membros superiores e 30 amputações nos dedos da mão. Por direcionamento deliberado por soldados de ocupação israelense (29) crianças tiveram amputações nos membros e 26 casos de paralisia, incluindo (42,3%) paraplegia inferior. Tenório (2019) discorre que os tiros dos snipers israelenses atingem a cabeça, pescoço, abdômen, tórax costas, etc., numa clara intensão de matar ou aleijar os palestinos.


Esses dados só comprovam que estamos diante de uma terra esquecida, violentada e fragmentada. Confirma-se que se trata de um genocídio, que produz limpeza étnica e o enfraquecimento de uma sociedade que luta por sua terra, pelo o direito de existir. Esta situação nos remete ao texto Agamben (2014) quando pergunta : existem vidas que perderam a qualidade de bem jurídico, que a sua continuidade, tanto para o portador da vida como para a sociedade perdeu permanentemente todo o valor? A cada morte de um palestino é esta sensação que temos, a vida palestina perdeu o valor diante do sionismo violento de Israel.


Nesta semana a violência sionista fez mais uma vítima - o assassinato de Baha Abu al Ata, líder Jihad Islâmica Movimento Palestino e da sua esposa, pelo exército de Israel, trouxe aos palestinos mais tensão ao que já é insuportável. Contabiliza-se nesses dias mais de 30 mortos e mais de 60 feridos. O escritório dos assuntos humanitários das Nações Unidas aponta que entre 15 e 28 de outubro, o exército israelita abriu fogo em direção a palestinos nas zonas adjacentes ao encerramento do perímetro de Gaza e ao largo das costas de Gaza por 28 vezes, ferindo pelo menos dois trabalhadores palestinos. Importante dizer que para os palestinos a Jihad Islâmica é compreendida como um movimento da resistência e é o segundo maior grupo, atrás do Hamas. Seus fundadores são advindos do Hamas e continuam sendo próximo a ele.


Israel para continuar prevalecendo sobre o “Mito da Terra Prometida” viola e mata os palestinos cotidianamente, sem o menor receio de ser paralisado por órgãos internacionais, por outro lado, como bem aponta Tenório (2019) os palestinos seguem sedentos de justiça e frustrados com o colapso das negociações e continuarão a acreditar que a resistência é o único caminho, assim como, a continuará sendo importante a aproximação cada vez maior com os movimentos de Resistência Islâmica.


Esquecida internacionalmente, a Palestina hoje é o reflexo do que vivemos no mundo, principalmente na América Latina, um povo vilipendiado de seus direitos constitucionais e dos direitos humanos. O direito à vida, à crença, à liberdade de expressão está cada vez mais rarefeito em tempo de retrocesso e violências cotidianas, que na tentativa de apagar as diferenças revelam o lado cruel da dominação do outro sobrepondo os seus valores morais, religiosos, econômicos.


Diante de tantos flagelos, violências, mortes, talvez valesse a pena pergunta como Caetano Veloso em “Cajuína”: Existirmos a que será que se destina? Talvez, no momento a melhor resposta para o existir seja resistir, pois aqui resulta a nossa luta por justiça, igualdade, para que um povo se liberte das amarras e da violência sionista. Tampouco turva-se a lágrima Palestina, pois há muita luta, muita resistência por porvir para conquistar sua soberania, sua dignidade, neste mundo polarizado e sobretudo colonialista e violador de direitos.

 

Francirosy Campos Barbosa Antropóloga, Livre Docente no Departamento de Psicologia, FFCLRP/USP, coordenadora do GRACIAS – Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes. Autora do livro: Performances Islâmicas em São Paulo: entre arabescos, luas e tâmaras. São Paulo, Edições Terceira Via, 2017; diretora do documentário: Allah, Oxalá na trilha Malê, 30min, LISA/USP,2015.

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