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Por que a RTP não deve estar em Tel Aviv: a limpeza étnica da Palestina

«No próximo ano em Jerusalém.» Foi assim que acabou o passado Festival da Eurovisão em Lisboa. O cariz político do Festival da Eurovisão para 2019 acabava de ser reforçado

Não que o mesmo já não fosse latente e comensurável, mas para todos aqueles que não se encontram familiarizados com a questão palestina, este foi um sinal de alerta, entre vários, para o intuito de Israel de utilizar a Eurovisão como um concurso próprio à legitimação, branqueamento e normalização das suas políticas.

Para entender por que razão reclamamos que Portugal não participe no Festival da Eurovisão no ano de 2019 há que enquadrar a questão histórica da Palestina, de forma a permitir-se ao passado iluminar o presente.

No século XIX a Palestina, então parte integrante do Império Otomano, testemunha um súbito interesse de colonos europeus que aí se instalam.

Este movimento colonialista tem a sua origem na resposta de grupos judaicos a movimentos anti-semitas, no interior do continente europeu, desencadeando tal uma onda de emigração de grupos de judeus para a Palestina. Os primeiros grupos de colonos chegarão por volta dos anos de 1850, sem estruturas próprias de emigração e sem conhecimento primário de formas de colonização da terra.

O cenário alterar-se-á no ano de 1881, aquando da fundação do Hovevei Zion («Amantes de Sião»), um dos grupos sionistas pioneiros a serem criados na Europa de Leste. O grupo é dos principais responsáveis pela primeira Aliyah («Imigração»), de 1882-1904, para a Palestina. A Aliyah, com o seu olim («imigrante»), será o agente de colonização primordial, que ganhará novo fôlego com o aproximar do final do século XIX.

Em 1895, Theodor Herzl, o pai do sionismo, escreve o mais significativo manual para a colonização da Palestina, O Estado Judeu, que edita no ano seguinte. O livro torna-se a «Bíblia» do movimento sionista, que o adopta, e no ano de 1897 organiza o primeiro Congresso Sionista em, Basileia (Suíça), sendo Theodor Herzl eleito presidente do Congresso.

«Palestina ou Argentina? […] A Palestina é o nosso memorável lar histórico. O simples nome de Palestina atrairia o nosso povo com uma força de maravilhosa potência. Se Sua Majestade o Sultão [do império Otomano] nos desse a Palestina nós poderíamos em retorno comprometer-nos a regular todas as finanças da Turquia.» (Theodor Herzl, O Estado Judeu.)

O Congresso Sionista, através da criação de estruturas como o Fundo Nacional Judaico, de 1903, impulsionará a colonização da Palestina, concentrando-se no Fundo a acumulação de capitais para a aquisição de terra.

No virar do século, é notório o cariz colonialista e paramilitar de que o movimento sionista se reveste e a sua hostilidade para com a população autóctone.

Ben-Yehuda, colono vindo na primeira Aliyah, e responsável pelo surgimento do hebraico moderno, escreve em 1882 numa carta para membros do movimento sionista em Viena: «O que temos de fazer agora é tornarmo-nos tão fortes quanto consigamos para conquistar o país, dissimuladamente, pouco a pouco. Não criaremos comités para que os Árabes saibam o que buscamos, agiremos como espiões silenciosos, compraremos, compraremos, compraremos.» (Benny Morris, As Vítimas Justas: A História do Conflito Sionista-Árabe, 1881-2001.) Numa outra carta, assinala: «Nós criámos a regra de não dizer muito, excepto àqueles em quem confiamos, o objectivo é reviver a nossa nação na sua terra, se conseguirmos aumentar os nossos números aqui até que sejamos a maioria [Ênfase no original]. Existem agora apenas quinhentos [mil] árabes, que não são muito fortes e aos quais facilmente tiraremos o país, se o fizermos através de estratagemas [e] sem atrair para nós a sua hostilidade antes de nos tornarmos os mais fortes e superiores numericamente.» (ibid.)

O desfecho da Primeira Guerra Mundial, ainda no primeiro quartel do século XX, altera por completo o desenho político da região, favorecendo a ingerência de potências coloniais europeias.

A Palestina, ocupada pelo exército britânico desde Dezembro de 1917, ficará presa aos ditames do Mandato Britânico da Palestina, que fora atribuído pela Sociedade das Nações na década de 1920.

A ocupação britânica favorece o projecto sionista, tendo a declaração de Balfour um papel determinante na orientação da política externa quanto à Palestina e seu futuro.

A Declaração de Balfour, datada de 1917, constitui um documento em que o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Arthur Balfour, se compromete com o lóbi sionista: «O Governo de Sua Majestade vê favoravelmente o estabelecimento na Palestina de um lar nacional judaico e envidará esforços para facilitar a realização deste objectivo.» Com a ocupação militar britânica, a emigração sionista disparará, reflectindo-se tal num acentuado deteriorar das condições de vida para os palestinos.

A revolta de 1929 e a greve geral iniciada em 1936, desembocando numa revolta que se prolonga até 1939, são exemplos elucidativos das tentativas dos palestinos de libertação da ocupação militar com vista à sua autodeterminação.

Ambos os eventos serão implacavelmente reprimidos pelo exército britânico, que agride com uma mão, desarmando e exilando os palestinos, estendendo a outra como ponte de imigração para os sionistas.

Nestes anos do Mandato emergirão milícias paramilitares sionistas que contam com a orientação política e auxílio militar por parte do exército britânico.

No seio do exército britânico surge uma das muitas figuras favoráveis às pretensões sionistas, Orde Wingate, que utiliza os seus conhecimentos para fundar uma brigada composta por voluntários sionistas, conhecida como Brigada Nocturna, que aterrorizará aldeias palestinas, fomentando o terror nos seus habitantes.

A propósito dos ensinamentos de Wingate, Moshe Dayan confessou que este «nos havia ensinado tudo o que sabemos» (Jonathan Fenby, Crucible, Thirteen months that forged our world).

O clima de terror propiciado pelas milícias sionistas (Hagana, Irgun e Stern) apressará a partida das autoridades britânicas, que transferirão as responsabilidades sobre a Palestina para a recém-formada Organização das Nações Unidas, a qual em 1947 aprovará em Assembleia Geral a famigerada Resolução 181, o Plano de Partição da Palestina.

A aprovação do Plano, em 29 de Novembro em 1947, constitui o sinal que os dirigentes sionistas tanto ambicionavam para a implementação dos «estratagemas» que desde o final do século XIX preparavam, e que David Ben-Gurion assaz pretendia. Escreveu este em 1937 que «…os Árabes terão que ir» (Ilan Pappé, A Limpeza Étnica da Palestina).

O plano de partilha da Palestina preparará o terreno para a limpeza étnica (que os dirigentes sionistas eufemisticamente classificavam de transferência), e logo no final de Novembro de 1947 inicia-se a prolongada ofensiva de constante acosso às localidades palestinas, que de agora em diante estarão diariamente sob a mira e ameaça das milícias sionistas.

De Novembro de 1947 a Março de 1948 dá-se a fase preparatória da limpeza étnica, tendo as milícias na sua posse ficheiros com informações precisas sobre a localização de cada aldeia, seus habitantes e sua actividade política (em especial na revolta de 1936-1939).

«Embora esporádicos, estes ataques judaicos iniciais foram suficientemente severos para causar o êxodo de um substancial número de pessoas (quase 75 000) [referindo-se ao período compreendido entre 29 de Novembro e o final do ano de 1947]. […] Seguiram-se expulsões coercivas em meados de Fevereiro de 1948, quando tropas judaicas conseguiram esvaziar cinco aldeias palestinas num só dia. No dia 10 de Março de 1948, foi adoptado o Plano Dalet. Os primeiros alvos foram os centros urbanos da Palestina, os quais foram todos ocupados até ao final de Abril. Cerca de 250 000 palestinos foram desenraizados nesta fase, que foi acompanhada por vários massacres, o mais conhecido dos quais foi o massacre de Deir Yassin.» (ibid.)

No dia 10 de Março, os mais destacados dirigentes sionistas, liderados por David Ben-Gurion, aprovam o Plano Dalet, que formaliza a limpeza étnica como o meio prossecutor para a criação do Estado de Israel.

«Estas operações podem ser levadas a cabo da seguinte maneira: ou pela destruição de aldeias (pegando-lhes fogo, explodindo-as e plantando minas nos seus destroços), e especialmente daqueles centros populacionais que são de difícil controlo contínuo; ou montando operações de limpeza e controlo de acordo com as seguintes directivas: cerco das aldeias, condução de operações de busca dentro delas. Em caso de resistência, as forças armadas deverão serão eliminadas e a população expulsa para fora das fronteiras do Estado.» (Plano Dalet, 10 de Março de 1948, ibid.)

O período crítico da limpeza étnica dá-se em 1948, com um enfoque nos meses que antecedem Maio (o fim do Mandato britânico estava marcado para o dia 15 desse mês) e naqueles que imediatamente lhe sucedem, de forma a permitir a fórmula de sucesso de David Ben-Gurion: «Apenas um Estado com 80% de judeus é viável.» Ben-Gurion classificava os palestinos presentes no interior das fronteiras desejadas para o futuro Estado como uma «quinta coluna», sendo preferível a «expulsão às prisões em massa» (ibid.).

Este ambicionado processo de limpeza étnica da Palestina reflectir-se-á na destruição e ocupação de 78% do território palestino, de 531 aldeias, de 11 cidades, e em pelo menos 750 000 palestinos expulsos das suas casas e terras, enfrentando daí em diante a condição subalterna de refugiados.

Após este prolongado processo de destruição da Palestina, suas aldeias e cidades e limpeza étnica dos seus habitantes autóctones, iniciar-se-á outro com vista à eliminação da identidade palestina das áreas destruídas. Os nomes dos locais alterar-se-ão, espelhando propósitos identitários sionistas, e surgirão as «versões» hebraicas dos locais ocupados. O próprio nome da cidade onde se realiza o Festival é a representação fiel da apropriação da colonização da Palestina: o seu nome é Tel Arabeeh, Tel Aviv apenas é a sua tradução colonial.

E assim surge Israel, sobre as ruínas de aldeias destruídas, sobre os escombros de vidas perdidas, alimentando-se de colheitas plantadas por outras mãos que não as suas, construindo sobre valas comuns, olhando um mar imenso por onde conduziu outros ao desespero de uma viagem sem retorno, e aí contemplando um céu envolvente de estrelas que os palestinos sonharam e desenharam para iluminar uma pátria que sempre foi sua.

É por tudo isto que o MPPM se dirige à RTP, para que esta não se torne cúmplice de um espectáculo que visa legitimar e normalizar um processo de colonização, expulsão e consequente tentativa de eliminação de todo um país, do seu povo e da sua memória histórica colectiva.

 

Fonte: Movimento Pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente MPPM

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