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Que preço Israel irá pagar por anexar o restante da Palestina?

A apropriação sistemática e coletiva das terras palestinas pelo estado de Israel não é um acidente da história colonial britânica. Palestinos não são o povo das Ilhas de Chagos no leste do Mediterrâneo, considerados pelo governo da Grã-Bretanha como fracos e espalhados demais para serem um incômodo

A despossessão das terras palestinas foi um produto da política externa britânica. Lorde Balfour talvez não tivesse a intenção de um estado judeu quando lançou sua declaração em 1917, reconhecendo os direitos dos judeus de estabelecer uma “terra natal”, uma frase deliberadamente ambígua. Nesse ponto, 2% da Palestina era dos judeus.

Em trocas de correspondência com George Curzon, sucessor de Balfour como secretário das relações exteriores, o lorde inglês não apoiava a aspiração do líder sionista Chaim Weizmann de um estado judeu.

Balfour escreveu: “Até onde sei, Weizmann nunca se manifestou publicamente sobre um governo judeu na Palestina. Tal afirmação é, na minha opinião, certamente inadmissível e, pessoalmente, creio que não deveríamos ir além da declaração que fiz ao lorde Rothschild.”.

No entanto, um estado judeu não havia sido exatamente o que Balfour, um conservador em coalização liberal no governo, tinha criado.

Significativamente, o único membro judeu do escritório rejeitou o plano de Balfour, apontando antissemitismo. Edwin Montagu escreveu em um memorando: “O sionismo sempre me pareceu uma crença política perniciosa, insustentável por qualquer cidadão patriota do Reino Unido.”.

O Partido Trabalhista também não se saiu muito bem em 1948 ao final do Mandato Britânico. Uma declaração escrita pela liderança do comitê nacional do Partido Trabalhista (NEC) e adotado pela conferência em 1944, dizia “A Palestina é, certamente, por questões humanitárias e pela necessidade de promover um assentamento estável, um caso de transferência de população. Que os árabes sejam encorajados de se mudarem conforme os judeus comecem a chegar. Que a população local seja generosamente recompensada por suas terras e que possam se estabelecer em outro lugar de maneira cuidadosa, organizada e generosamente financiada.”.

Em 1945 o primeiro ministro Clement Attlee inicialmente resistiu às demandas do presidente estadunidense Harry Truman pela migração em massa de 100 mil judeus para a Palestina, questão que comprometeu as relações transatlânticas e levou a sanções sob a forma de atrasos nos empréstimos por parte dos Estados Unidos para a reconstrução pós-Segunda Guerra Mundial.

Documentos publicados em 2006 mostraram que a MI5 foi alertada em 1946 que membros do grupo paramilitar sionista conhecido como Gangue Stern estavam sendo treinados para “ir até a Inglaterra para assassinar membros do governo de Sua Majestade, especialmente o Sr. (Ernest) Bevin (secretário das relações exteriores).”.

Um memorando do Oficial que administrava o Governo da Palestina alertava o secretário de estado para as colônias: “O Grupo Stern decidiu assassinar tanto o Alto Comissionário quanto o Oficial Geral em Comando. Além disso, diversos membros do CID estão marcados para morrer, além de policiais e quaisquer membros de alto escalão do governo que sejam considerados antissemitas”.

O fim da Palestina histórica

Quando, em 1947, a ONU propôs a divisão do território, os judeus foram alocados em 55% das terras, embora, ao mesmo tempo, possuíssem apenas 7% delas, de acordo com o historiador Avi Shlaim. Depois da guerra de 1948, o recém estabelecido estado de Israel tomou 78% das terras mandatórias da Palestina.

Hoje, quando mais um pedaço dos 22% restantes da Palestina histórica está prestes a ser abocanhado graças aos planos de anexar um pedaço, ou a maior parte do Banco Leste, nem o primeiro ministro britânico conservador, nem o líder do Partido Trabalhista podem afirmar que são observadores desinteressados.

O conflito de 73 anos resultado do estabelecimento do estado judeu faz parte de suas bagagens, gostem ou não.

Na biografia de Churchill de Boris Johnson, homem que ele tenta emular a todo custo, o primeiro ministro descreve a Declaração de Balfour como “bizarra”, “tragicamente incoerente”, e “uma peça ‘exótica’ e ferrada do Ministério das Relações Exteriores.”.

Um raro exemplo de uma conclusão justa e historicamente acurada feita por Johnson, Shlaim afirma.

Mas no poder, Johnson passou a fazer parte do script de maneira intensa: palavras vazias de condenação, mas normalidade como de costume. Em sua resposta a uma pergunta feita no parlamento pelo legislador Tory, Crispin Blunt, Johnson respondeu: “Sim, creio que o que está sendo proposto por Israel se enquadraria como uma brecha do direito internacional. Nos opomos fortemente. Cremos profundamente na solução de dois estados e continuaremos a apoiar essa causa.”.

Herdeiros de Balfour

A questão da política externa britânica relacionada ao conflito é advogar por uma solução que sabe perfeitamente que jamais poderia ser alcançada no momento atual. É de tomar o papel de um espectador com total consciência de que Israel continuará seguindo impune por suas ações.

O plano de Israel para a anexação do Vale do Jordão Por que é importante

O novo líder do Partido Trabalhista não vai muito além do que já se discute. Starmer afirma: “Não concordo com a anexação e não acho que é a melhor ideia para a segurança na região, e creio que é muito importante que digamos isso.”.

Keir sobre a questão das sanções: “Precisa haver uma forte relação que seja funcional onde possamos discutir pontos de vista de maneira franca, da mesma maneira que se faria com um aliado, e em algumas dessas questões, uma troca sincera é exatamente o que mais precisamos.”.

Essa é uma cópia da fórmula que Tony Blair usava durante seu mandato como primeiro ministro: o governo britânico precisa se manter próximo a Israel para influenciá-lo. Isso é, claro, uma ficção: mantida com cinismo maior do que o de Israel.

Desde as afirmações de Starmer, Lisa Nandy, sua secretária adjunta de relações exteriores, sugeriu banimento dos produtos importados advindos dos assentamentos do Banco Oeste. Atualmente, a União Europeia simplesmente requere que os produtos sejam corretamente rotulados.

Isso supostamente dissuadiria Israel. Supostamente.

O preço da Anexação

A Grã-Bretanha deveria fazer quatro coisas se e quando Israel — ou os Estados Unidos — anunciar os planos de anexação.

Em primeiro lugar, deveria declarar o reconhecimento total do estado da Palestina. Diferente do Partido Trabalhista em 1944, o Partido Trabalhista em 2018 decidiu reconhecer completamente o estado da Palestina. Jeremy Corbyn, desde então, demonstra preocupação que seu sucessor como líder possa abandonar tal posicionamento.

Outro antigo líder trabalhista e membro do escritório adjunto de Starmer, Ed Milibad, liderou em 2015, uma moção no parlamento pelo reconhecimento do estado palestino. Agora cabe ao líder encaminhar de maneira eficiente a moção parlamentar.

Transformar a moção em uma política oficial do governo é tanto um desafio para Starmer quanto para Johnson.

Em segundo lugar, o governo britânico deveria tratar Israel como trata qualquer outro estado que anexou terras desafiando o direito internacional, como a Rússia de Vladimir Putin fez na Crimeia, e o Iraque de Saddam Hussein fez com o Kuwait. As duas tomadas de terra receberam duras críticas e responsabilizações aos estados em questão, e não a supostos grupos de mercenários. Como consequência, os líderes desses países sofreram sanções por parte da Grã-Bretanha.

O mesmo princípio deveria ser aplicado a Israel. O excepcionalismo único de Israel é o que permite a tomada de quaisquer decisões e fazendo o que quer, sabendo que seus líderes não irão lidar com consequências, seja lá quais forem seus crimes, seja lá onde estiverem.

Em terceiro lugar, a Grã-Bretanha deveria eliminar quaisquer contratos militares de negócios com Israel.

Finalmente, a Grã-Bretanha deveria reduzir suas relações diplomáticas com Israel, e rejeitar a nomeação do embaixador para substituir Mark Regev.

Um registro tenebroso

Até mesmo pelos duvidosos padrões determinados por antigos detentores do cargo, essa é uma mulher odiosa: Tzipi Hotovely, ministra de assentamentos de Israel, tem um registro tenebroso de racismo e comportamento inflamatório.

Essas palavras não são minhas, mas do grupo anti-ocupação Na’amod que publicou uma petição assinada por mais de 800 judeus britânicos.

Em 2015 Hotovely disse: “Essa terra é nossa. Tudo nosso. Não viemos aqui para pedir desculpas por isso.”. Em 2011 Hotovely afirmou em uma reunião do Comitê Knesset para o Avanço das Mulheres: “Precisamos confrontar o fato de que o país não tem dado valor à educação, que é a única maneira de prevenir mulheres judias de forjar conexões duradouras com não-judeus”, disse a ministra.

“A luta contra a assimilação só chega nas manchetes através de histórias de mulheres judias se casando com homens muçulmanos, mas é importante lembrar de um fenômeno muito maior — 92 mil famílias mistas vivem no estado de Israel. Há a necessidade de criar um currículo para garotas no ensino médio que lide com identidade judia. O fato de que essas garotas acabaram em casamentos mistos é a prova de que o sistema educacional falhou”, acrescentou.

No dia seguinte em que o plano de anexação for anunciado, Israel se tornará oficialmente um estado de apartheid. Exatamente o estado pelo qual Hotovely, uma nacionalista fundamentalista religiosa, advoga. O caso deveria ser tratado da mesma maneira que outros estados que praticaram e pregaram a separação e a subjugação sistêmica de povos e sua limpeza étnica.

O preço da impunidade pelas ações de Israel é pago quase diariamente em sangue palestino: Iyad al-Halak, um homem autista de 32 aos foi assassinado pela polícia sob a suspeita de que estaria armado. Iyad estava desarmado.

Ahmed Erekat foi assassinado enquanto dirigia através de um checkpoint. A polícia afirmou que suspeitou que havia suspeita de que ele batera o carro propositadamente contra o posto de controle. Sua família disse que ele estava prestes a buscar sua mãe e sua irmã (que iria se casar naquele dia).

Ele foi deixado do lado da estrada para sangrar até a morte.

Apenas quando começar a pagar de fato, Israel pensará duas vezes a respeito de seu projeto de estabelecer como único estado entre o rio e o mar.

 

Por David Hearst

Tradução Felipe F. Castro

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