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Uma cortina de fumaça chamada antissemitismo

Sionistas acusam de antissemita qualquer movimento ou pessoa que defina Israel como um apartheid ou denuncie seus crimes de lesa humanidade

Por Sayid Marcos Tenório

 

A acusação de antissemitismo vem sendo uma das estratégias utilizadas por Israel para deslegitimar e fazer com que a opinião pública condene quem se opõe as políticas de apartheid e limpeza étnica adotadas contra o povo palestino. Essa alegação de antissemitismo geralmente se soma a acusação de vínculos com “grupos terroristas palestinos”.

Os sionistas usam o antissemitismo como motivação para a justificar a existência do Estado de Israel e contra quem, segundo eles, querem derrubar “a única democracia do Oriente Médio”. Essa desavergonhada manipulação é um dos fatores da perda de apoio de Israel por parte de judeus em todo o mundo, como ocorre nos EUA, e dos movimentos da juventude judaica israelense, que se nega a prestar o serviço militar e não compactuar com as agressões sistemáticas das forças de ocupação contra palestinos.

Semitas e antissemitismo

Para que possamos começar esta discussão é necessário entender inicialmente o que é o antissemitismo, suas raízes e quem são os Semitas. Diz-se semitas aos descendentes de Sem, o filho do Profeta Noé e personagem bíblico do Antigo Testamento. São os hebreus, árabes, assírios e outros povos originários do norte da Península Arábica. As três grandes religiões monoteístas – islâmica, cristã e judaica – possuem raízes semitas, e não apenas os judeus. Etimologicamente, o termo antissemitismo significa aversão aos semitas. O termo foi criado na Alemanha, no final do século XIX, como uma tentativa de explicar cientificamente o Judenhass, palavra do alemão que significa “ódio aos judeus”.

O problema judaico, o antissemitismo e a perseguição de judeus são fenômenos fundamentalmente ligados à história europeia, não à história dos árabes ou muçulmanos. O argumento da existência desse “ódio aos judeus” foi utilizado pelo movimento sionista, fundado em 1897 por Theodor Herzl, para definir um dos centros da luta do movimento que tratava de libertar os judeus, resolver o problema do antissemitismo no Ocidente, defender o direito à autodeterminação dos judeus e à existência de um Estado nacional judaico independente e soberano nas terras pertencentes milenarmente a palestinos.

Historicamente não se pode negar o antissemitismo e os pogroms, palavra russa que significa “causar estragos”, para designar a perseguição a judeus na Rússia e no leste europeu, até desembocar no nazismo. O flagelo do antissemitismo é uma forma repugnante de racismo que discrimina não apenas judeus por quem eles são e, portanto, muito semelhante a todas as outras formas de racismo dirigidas a outros seres humanos, sejam eles muçulmanos, cristãos, de outras religiões ou mesmo sem religião, negros, pessoas de ascendência asiática, árabes etc., e por isso mesmo todas as formas de preconceito e racismo precisam ser confrontadas e eliminadas.

Contudo há muitos judeus e israelenses conscientes dos crimes praticados pelo colonialismo sionista que se envergonham com o que Israel tem feito em seu nome. Esses Judeus de princípios têm condenado consistentemente as violações de Israel contra os direitos humanos palestinos, seu colonialismo de colonos e o apartheid racista praticado sob o manto do judaísmo. Os palestinos sempre conviveram com judeus na Palestina, antes de 1948, o que atesta que a acusação de antissemitismo feita a resistência palestina é uma distorção do que realmente acontece hoje, porque os palestinos é que sofrem diariamente com violências e desrespeito à sua condição humana, por serem árabes palestinos.

Antissemitismo como forma de intimidação e perseguições

A acusação de antissemitismo usado por Israel e seus apologistas é muito conveniente e útil quando estão sem argumentos. É usada para intimidar os críticos de Israel ou para esterilizar a discussão e desviar a atenção dos problemas reais, quando é sabido que as forças da resistência e os movimentos de solidariedade ao povo palestino rejeitam fortemente as narrativas com viés religioso ou sectários da luta contra a ocupação, condenando qualquer forma de perseguição ou a negação de direitos, seja de judeus, árabes ou qualquer outra pessoa e grupos.

As vítimas mais frequentes são o Movimento de Boicote, Desinvestimentos e Sanções (BDS) a Israel, políticos, como o trabalhista inglês Jeremy Corbyn e Guilherme Boulos, no Brasil, acadêmicos, como o escritor Edward Said, os movimentos antissionistas e até a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados (UNRWA na sigla em inglês). Para os sionistas qualquer movimento ou pessoa que defina Israel como um apartheid ou denuncie seus crimes de lesa humanidade, são acusados de antissemita.

Por outro lado, o lobby a favor de Israel, além de instrumentalizar a narrativa midiática, compra a lealdade de políticos, governos e bancadas nas casas legislativas de vários países. Cooptam igrejas evangélicas e põem-nas para trabalhar em seu favor, baseados na lenda de que o estabelecimento do Estado de Israel em 1948 está de acordo com a profecia bíblica do “retorno dos judeus à terra prometida”. Lançam uma cortina de fumaça sobre a usurpação da Palestina com apoio das potências do Ocidente desde 1947, sendo a maior ocupação por assentamentos judeus, um colonialismo que foi derrotado de grande parte do mundo e precisa desaparecer da Palestina.

Além disso, usam o holocausto de judeus ocorrido na Europa como uma indispensável e conveniente arma ideológica em seu favor nessa política de criar disfarces e deturpar fatos. O escritor de origem judaica Norman G. Filkelstein, que teve grande parte da sua família assassinada nos campos de concentração nazista, escreveu que “a maior parte das pessoas desconhece o fato de que o movimento sionista, que sempre invoca o horror do holocausto, tenha colaborado ativamente com o inimigo mais feroz que os judeus já tiveram [o nazismo].”[1]

Há uma clara distinção entre o antissemitismo, por um lado, e críticas legítimas às políticas degradantes e opressivas de Israel contra o povo palestino. O Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), por exemplo, que é frequentemente acusado de antissemita pelos ocupantes sionistas, tem como prática não manifestar ou apoiar nenhuma conduta contra os judeus por quem eles são. O programa de 2017 afirma que sua luta é contra “o projeto sionista, não contra os judeus por causa de sua religião. O Hamas não trava uma luta contra os judeus porque são judeus, mas trava uma luta contra os sionistas que ocupam a Palestina.”[2]

As forças da resistência palestina e o movimento de solidariedade internacional são contra Israel enquanto um estado colonial que ocupa a Palestina e sujeita o seu povo aos horrores da guerra, colonização e deslocamento. E não por ser um “estado judeu”. O conflito com Israel é fundamentalmente político e os palestinos estão lutando por liberdade e autodeterminação. Se a Palestina tivesse sido ocupada por outro povo que tivesse uma religião semelhante ou diferente, o povo palestino estariam lutando contra ela com toda a força com que vem lutando nestes 73 anos de apartheid e usurpação israelense.

 

Sayid Marcos Tenório é historiador e especialista em Relações Internacionais. É vice-presidente do Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal) e autor do livro Palestina: do mito da terra prometida à terra da resistência (Anita Garibaldi/Ibraspal, 2019. 412 p). E-mail: sayid.tenorio@uol.com.br - Twitter: @HajjSayid

 



[1] FINKELSTEIN, Norman. A indústria do Holocausto: reflexões sobre a exploração do sofrimento dos judeus. São Paulo: Record, 2001. p. 13.

[2] TENÓRIO, Sayid Marcos. Palestina: do mito da terra prometido à terra da resistência. 1. ed. São Paulo: Anita Garibaldi, IBRASPAL, 2019. p. 381

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